Ponto fraco dos seguros, ofertas malfeitas frustram os clientes.

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A sensação de ter levado “gato por lebre” acompanha muitos consumidores quando o assunto é seguro. Nos relatos a esta seção, é comum encontrar quem considere que a cobertura prestada está aquém da esperada. E isso acontece em diferentes ramos, do setor de saúde ao de automóveis, passando pelos de vida e habitacionais, até os títulos de capitalização e ao cada vez mais popular seguro de garantia estendida. Há caso até de site que oferece garantia estendida para refil de filtro. Se há especificidade em cada um desses segmentos, há um problema comum a todos, a falta de clareza na hora da oferta. Não à toa, a Confederação Nacional de Seguros (CNseg) acaba de lançar um programa de educação para clientes, empresas, profissionais, entidades de defesa do consumidor e técnicos do governo.

A proposta é tornar reclamações como a da funcionária aposentada do IBGE Maria da Conceição Lomba cada vez mais raras. Ela relata que ao comprar um celular, em abril de 2014, adquiriu também a garantia estendida para o aparelho. No entanto, quando o smartphone apresentou defeito, não obteve da seguradora reparo ou qualquer outra compensação prevista na apólice.

— Segui as instruções da empresa e enviei o aparelho para análise. Mas, ao procurar saber do paradeiro do celular, fui informada de que não havia a possibilidade de conserto e que o devolveriam. Após 30 dias da remessa, porém, não recebi mais notícias, muito menos o celular — queixa-se Maria da Conceição.

O problema só foi solucionado após a aposentada ter enviado reclamação à “Defesa do Consumidor”: ela recebeu o valor correspondente ao smartphone, e não um novo aparelho, como o previsto no contrato.

— Poucas vezes aceitei contratar garantia estendida e esta, certamente, foi a última. Mais do que nunca, acho que é uma forma de ludibriar o cliente — ressalta a consumidora, de 84 anos.

Em resposta à queixa, a seguradora BNP Paribas Cardif do Brasil confirmou ter resolvido a questão.

A consumidora Loana de Assis teve problemas ao tentar resgatar um título de capitalização, que também é uma modalidade de seguro. Loana contratou o produto quando foi até sua agência do Itaú, em março, para desbloquear um cartão. No momento da oferta, a informação era que o pagamento de R$ 70 por 48 meses poderia ser cancelado a qualquer momento, e o valor pago resgatado em seguida. Em junho, no entanto, ao cancelar o título, descobriu que não era bem assim.

— Informaram que eu iria receber apenas 10% do que paguei, depois de 12 meses. Não foi isso que tinham me dito. Eu me senti enganada, não pela atendente, mas pelo banco, que treina seus funcionários para mentir aos clientes — reclama Loana, que escreveu à “Defesa do Consumidor” e recebeu o dinheiro, mas não uma explicação do banco.

Segundo o Itaú, que confirmou ter ressarcido à consumidora, o prazo de carência para resgate do produto é de 12 meses, condição que faz parte do roteiro de venda e é reforçada com o envio do certificado com as características do produto.

Queixas encaminhadas ao portal de intermediação do governo federal, Consumidor.gov, relatórios das ouvidorias das seguradoras e encontros com Procons foram a base para a elaboração da campanha, diz o presidente da CNseg, Marcio Coriolano. A meta, explica, é mostrar o funcionamento do segmento como um todo, quais as proteções ofertadas, como identificar riscos e os critérios de escolha, que devem ir além do tamanho do orçamento:

— O grande problema, em todas as pontas, é a falta de conhecimento sobre o setor. O objetivo é esclarecer e prestar as informações fundamentais para que o consumidor se sinta “seguro” na hora de fazer um seguro. Queremos um cliente consciente e empoderado, que entenda o produto.

Coriolano acrescenta que para cada público foi desenvolvido um cardápio diferente de materiais e atividades, incluindo livretos, cartilhas, games, rádio web, seminários, campanhas na mídia, pesquisa de mercado e simuladores financeiros.

Na opinião de Bruno Mirage, diretor do Instituto Brasileiro de Direito e Política do Consumidor (Brasilcon), o ponto sensível do setor é a venda:

— O produto em si já é complexo, e o risco de dificuldades de entendimento é potencializado pelos problemas na oferta. É preciso ser claro, principalmente, quanto às restrições na hora de vender o seguro. Isso exige corretores mais preparados. Temos relatos de casos em que o próprio vendedor preenche o formulário de forma a baratear o custo. O que é completamente inadequado — ressalta Mirage.

Preocupação com a formação de profissionais

Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), André Luiz dos Santos, concorda que se tem a sensação de distância entre a oferta e a proteção efetiva.

— Há falta de informação. E, sem dúvida, informação empodera. O consumidor precisa ter clareza, discernimento, para fazer escolhas maduras. O que não pode é o intermediário, o corretor, deixar que alguma informação fique na sombra. Tem que haver em paralelo uma discussão de como a comercialização pode melhorar. Esta é uma agenda que não pode ser separada da educação— afirma Santos.

Mirage destaca que essa discussão se torna ainda mais urgente quando lembramos que é cada vez mais comum a venda de seguros no varejo, em sites, e até por setores tão distintos, quando o de administração de imóveis.

Um problema que está se multiplicando é o valor adicionado, diz o diretor do DPDC: compra-se um produto ou serviço e o seguro vem como forma de benefício, sem que o consumidor tenha conhecimento das condições do contrato. Um exemplo, destaca, é a garantia estendida, origem da reclamação de Maria da Conceição.

— O vendedor ou intermediário, em geral, ganha mais vendendo o seguro de garantia estendida do que com o produto em si. Não é de graça, e é outro contrato — alerta Santos.

Segundo o diretor executivo da CNseg, Marco Barros, há a preocupação constante com reciclagem de corretores e profissionais ligados ao setor:

— Estimulamos que a venda aconteça com a maior transparência e, com isso, atraia mais consumidores para o setor.

Ricardo Morishita, diretor de Projetos e Pesquisas do Instituto Brasiliense de Direito Público, diz que o mais importante neste processo educativo é a dimensão coletiva do seguro:

— Precisamos estar cientes de que há uma natureza pública no seguro. O sistema busca maneiras de alocar o recurso para a prevenção, de olho no bem-estar de toda a sociedade, seja quando há um dano individual ou coletivo.

Morishita ressalta que incutir nas pessoas a cultura da prevenção é o grande desafio, não só das autoridades, mas de toda a sociedade.

— A cultura da prevenção precisa pegar, ser divulgada, pois é de longe a política mais efetiva de garantia de direitos do consumidor. Como dizia o sociólogo alemão Ulrich Beck, vivemos numa sociedade de risco. O que não é natural é não ter uma agenda de prevenção e gestão desses riscos. Estamos num estágio embrionário no que diz respeito à prevenção — ressalta.

Crédito: Matéria da coluna Defesa do Consumidor  publicada dia 31/07/2016 no Jornal O Globo – disponível na web 01/08/2016

 

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