No ritmo atual, Brasil atingirá meta de ensino com décadas de atraso, estima estudo

0
463
No ritmo atual, o Brasil pode levar décadas para atingir metas de educação estipuladas para daqui a seis anos, segundo levantamento do Instituto Ayrton Senna ao qual a BBC Brasil teve acesso.

O levantamento foi feito com base nos dados do Ideb 2015 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), divulgados na quinta-feira pelo Ministério da Educação (MEC).

O Ideb mostrou que o Brasil está avançando acima do previsto na etapa que vai da 1ª à 5ª série (etapa inicial do ensino fundamental) e, mantida a tendência atual, deve até mesmo superar a meta prevista pelo MEC para 2021.

O problema começa nas etapas seguintes. Nos anos finais do fundamental (6ª à 9ª série), o ensino avança devagar e deve bater a meta, no atual ritmo, apenas em 2027, com seis anos de atraso.

No ensino médio, considerado a etapa mais problemática da educação básica brasileira, a questão é ainda mais grave: o índice obtido pelos alunos está estagnado há quatro anos, sem evoluir, no patamar de 3,7, segundo medição do Ideb 2015. A meta era de 4,3.

Mantida a tendência atual, o país deve pontuar apenas 3,9 nessa etapa em 2021, segundo os cálculos do Ayrton Senna – muito distante da meta de 5,2.

“Avançamos apenas 0,3 ponto em dez anos nessa etapa, que não está saindo do lugar. Se nada for feito e esse ritmo se mantiver, levaremos décadas para bater a meta (de 2021)”, explica à BBC Brasil Paula Penko, economista do Instituto Ayrton Senna, que calculou as projeções.

O Instituto destaca que as projeções são feitas com base no histórico do Ideb e que se houver melhorias no desempenho, as estimativas podem mudar.

Alunos da rede estadual da Bahia em simulado para o Enem, em foto de arquivoImage copyrightSUAMI DIAS/ GOVBA

Projeções

O Ideb mede, em escala de zero a dez, o desempenho e as taxas de aprovação de estudantes das redes pública e privada em Língua Portuguesa e Matemática. É o principal indicador da qualidade do ensino no país. As metas foram estipuladas pelo MEC com base no desempenho educacional de nações desenvolvidas em 2003.

“São índices absolutamente vergonhosos para o Brasil”, reconheceu na quinta-feira o ministro da Educação, Mendonça Filho, no anúncio do Ideb. “É uma tragédia para a educação do país.”

A meta do Brasil é alcançar a média de 6,0 da 1ª à 5ª série no Ideb que será medido em 2021 (e apresentado em 2022, ano do bicentenário da Independência). Essa média, segundo a projeção do Ayrton Senna, deve ser superada: a previsão é de que cheguemos a 6,6.

Da 6ª à 9ª série, a meta é de 5,5, mas no ritmo atual chegaremos apenas à nota 5.0.

Para os três anos do ensino médio, a meta é de 5,2 mas a tendência atual é de que cheguemos apenas à nota 3,9.

“Com isso, vai se agravando a diferença (de desempenho) entre as etapas iniciais e finais de ensino”, explica Penko.

‘Quase nada de aprendizado’

Os problemas do ensino médio começam com a defasagem dos alunos – que já vêm com deficiências de aprendizagem das séries anteriores – e se aprofundam por conta do modelo adotado pelo Brasil, segundo especialistas.

“O ensino médio foi desenhado para não funcionar: tem 13 disciplinas (que os alunos são forçados a cursar) independentemente de sua vocação, aspirações ou projeto de vida”, avalia Priscila Cruz, diretora-executiva do movimento Todos Pela Educação.

“O aluno tem quatro horas de aula, que na prática acabam sendo duas horas e meia, e aprende quase nada de um monte de coisas.”

E esse nem é o maior entrave, segundo ela: “O principal fator é o professor. Não temos conseguido atrair à carreira (profissionais) com proficiência, como fazem países como Cingapura, Finlândia e Coreia (do Sul), onde a educação passou a ser um eixo central e (docentes) passaram a ser valorizados em termos salariais e de carreira.”

A saída, segundo ela, seria investir na formação inicial e continuada dos docentes e transformar a carreira do professor “na principal do país”.

Mendonça Filho, ministro da Educação, na divulgação do Ideb, nesta quintaImage copyrightMARIANA LEAL/MEC
Image captionMendonça Filho, ministro da Educação, defende jornada integral e mudança de currículo para fazer ensino médio melhorar

Ensino fundamental

O Ideb aponta um cenário bastante preocupante também nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano), que teve índice de 4,5 em 2015, abaixo da meta de 4,7.

Nessa etapa, apenas quatro dos 26 Estados brasileiros obtiveram bons resultados – entre eles Pernambuco, que tem investido na educação em período integral, e Amazonas, que tem conseguido igualar a qualidade do ensino oferecido nas áreas mais remotas de floresta ao da capital Manaus, segundo Priscila Cruz.

Os resultados mais otimistas vêm mesmo do 1º ao 5º ano, onde a meta de 2015 (5,2) foi superada em 0,3.

Um dos motivos é o foco bem-sucedido em políticas de alfabetização infantil, cruciais nessa etapa.

Ainda assim, o Ministério da Educação avalia que os alunos seguem com deficiências tanto em Matemática como em Português.

Projeto de lei

Os dados do MEC apontam que os problemas não estão limitados à rede pública.

“As escolas privadas também vão mal. É preciso mudar o modelo de ensino médio que temos hoje”, comentou o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação, Eduardo Deschamps, na coletiva do MEC na quinta-feira.

“Fazendo uma avaliação apenas da rede pública, os resultados são parecidos (aos da rede privada)”, explica Paula Penko, do Ayrton Senna. Ou seja, o desempenho dos alunos vai acima da meta nos anos iniciais do fundamental, mas não se mantém anos seguintes.

Em reação aos números, Mendonça Filho afirmou que vai pedir urgência na tramitação de projeto de lei que institui a jornada integral e flexibiliza o currículo do ensino médio. O ministro quer que o projeto seja votado ainda neste ano para ser implementado em 2017.

Para Cruz, do Todos Pela Educação, a proposta é um passo importante, mas não resolverá sozinha o problema do ensino médio se não se investir também na capacitação de professores.

“Nos próximos dez anos, cerca de metade dos professores do país estarão em idade de se aposentar. Se concentrarmos um esforço enorme em capacitar uma nova leva, podemos melhorar o Ideb nos próximos anos. Caso contrário, diria que é impossível”, opina.

Crédito Paula Adamo Idoeta da BBC Brasil em São Paulo – disponível na web 10/09/2016

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui