União gastou R$ 823 mi para bancar casas de servidores e autoridades

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incêndio seguido de desabamento de um prédio de 24 andares no centro de São Paulo, na última terça-feira (1°/5), trouxe de volta ao debate nacional o problema histórico do deficit de moradia no Brasil. O edifício era ocupado por sem-tetos. Enquanto 7,7 milhões de cidadãos – segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) – aguardam solução habitacional do governo federal, R$ 823,5 milhões foram retirados dos cofres públicos em 2017 para bancar auxílio-moradia e ajuda de custo a servidores, políticos e autoridades dos três Poderes da República, Ministério Público (MP) e Defensoria da União.

O dado faz parte de um levantamento da Consultoria de Orçamentos do Senado Federal divulgado em janeiro deste ano e atualizado pela inflação, tendo por base o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA). Sem a correção, a cifra seria de R$ 814,2 milhões. No total, o impacto do benefício no orçamento público entre 2010 e 2018 é superior a R$ 4,3 bilhões.

Para 2018, o gasto previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) para a rubrica é de R$ 831,2 milhões. Com o montante, seria possível custear um ano de aluguel social a 173 mil famílias em São Paulo, cidade com maior deficit habitacional do país e cenário da tragédia que, até o momento, deixou um morto e cinco desaparecidos.

O valor também equivale a oito vezes o orçamento previsto para 2018 do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), uma das principais fontes de verba pública para a construção de moradias destinadas a famílias de baixa renda. Neste ano, a reserva conta com previsão de R$ 95,3 milhões, conforme informações do Painel Siga Brasil.

Gasto inédito
Caso executado por completo, o orçamento de 2018 para auxílios-moradia dos três Poderes, Ministério Público e Defensoria Pública será a soma mais alta já gasta com o benefício no Brasil. O maior volume é o destinado ao Poder Executivo (R$ 380,8 milhões), seguido do Judiciário (R$ 333,9 milhões) e do MP (R$124,5 milhões), que engloba Ministério Público da União e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), conforme detalhado abaixo.

Gil Castelo Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas

Para o economista, contudo, as críticas ao auxílio-moradia devem ser direcionadas não apenas aos valores gastos pela União, mas também às circunstâncias de concessão do benefício.

O boom da regalia
O auxílio-moradia existe há décadas na legislação brasileira e é assegurado a membros do serviço público que necessitam de subsídios para habitação em razão da função ocupada por eles. O benefício, contudo, passou a ser questionado de forma mais contundente após uma liminar concedida em 2014 pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux.

A decisão estabelecia o pagamento de auxílio-moradia de R$ 4.377 a todos os magistrados em atividade no país. Por simetria, a liminar estendeu-se ainda a membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas de toda a nação.

A liminar do STF provocou um boom de concessão de auxílios-moradia pelo Brasil e mais do que duplicou os gastos com a rubrica. Se em 2014 a União executou R$ 363,7 milhões com a despesa, em 2015 foram pagos R$ 820 milhões. “De lá para cá, pessoas com residência no estado onde trabalham ou que não foram obrigadas a se mudar estão recebendo”, afirma o professor do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB) José Carneiro da Cunha.

Arte/Metrópoles
ARTE/METRÓPOLES

Um caso polêmico de recebimento de auxílio-moradia, lembra o docente, foi o dos juízes federais Sérgio Moro e Marcelo Bretas, responsáveis por ações penais resultantes da Operação Lava Jato em Curitiba (PR) e Rio de Janeiro (RJ), respectivamente. Enquanto Moro tem imóvel próprio na capital paraense, onde vive e trabalha, Bretas é casado e reside com uma juíza que também recebe o benefício.

A ideia fundamental do auxílio é ajudar um servidor público federal que, por solicitação da administração, teve de se mudar para outro estado. Hoje, esse pagamento está totalmente desvirtuado

José Carneiro da Cunha, professor da UnB

O auxílio, lembra o docente, não fura o teto do funcionalismo público e é isento de tributação. “São pessoas que já possuem, muitas vezes, salários maiores do que a média e querem compor remunerações fora dela, criando um mecanismo pelo qual o imposto não é cobrado”, comenta.

Imóveis funcionais
Alem dos auxílios-moradia, a União também garante o domicílio de diferentes agentes públicos pela concessão de imóveis funcionais. Por não possuírem uma discrição própria no orçamento público, contudo, os valores gastos com a manutenção das casas e apartamentos são de difícil contabilidade.

No Executivo, os imóveis funcionais são administrados pelos ministérios do Planejamento, das Relações Exteriores e da Defesa, bem como pela Presidência da República. As 424 residências gerenciadas pelo Planejamento, por exemplo, possuem um custo total de manutenção próximo a R$ 2,9 milhões por ano, segundo a própria pasta. Conforme informou o ministério, os gastos incluem taxas de limpeza pública e condominiais ordinárias dos imóveis.

A Câmara dos Deputados e o Senado Federal também mantêm imóveis funcionais em Brasília, para uso de parlamentares no exercício do mandato. Na Câmara, em que 90% das 432 unidades estão ocupadas, o gasto anual médio de manutenção de um único apartamento é de R$ 43 mil, segundo a Casa. O Senado administra 71 apartamentos, além da residência oficial da Presidência, a um custo anual de R$ 15,2 mil por imóvel.

Freio
Especialistas concordam que os benefícios de habitação a agentes públicos oneram o orçamento da União e, muitas vezes, são concedidos de formas indiscriminadas. No Congresso, uma proposta de emenda constitucional (PEC) de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) pretende vedar o pagamento de auxílio-moradia aos “membros do poder”. Com a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, o projeto, contudo, teve sua tramitação congelada: enquanto durar a medida, a Constituição não pode ser emendada.

Para o professor de gestão pública do Ibmec José Simões, a legislação precisa ser aperfeiçoada. “O orçamento hoje está tomado por despesas discricionárias e rolagens de dívidas, de modo que o espaço para investimento é cada vez menor. Se você economizar em benefícios como esse, deixa de onerar a folha de pagamento. O auxílio não pode virar um salário”, defende.

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