Na manhã desta quarta-feira, os responsáveis pelo Facebook anunciaram a remoção da rede social de 196 páginas e 87 perfis de cunho político, principalmente ligados à direita. A lista dos usuários atingidos não foi divulgada pela empresa, mas várias das páginas afetadas eram relacionadas ao Movimento Brasil Livre (MBL). O grupo ativista de direita teve participação significativa nas manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.
Em comunicado divulgado na manhã de hoje, o Facebook afirma que a remoção do conteúdo é “parte de nossos esforços contínuos para evitar abusos”, e que a empresa agiu após uma “rigorosa investigação”. As páginas e perfis removidos fariam “parte de uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas no Facebook, e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo, com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”.
Após a ação, o MBL lançou uma campanha contra a medida em diversas redes sociais – incluindo o próprio Facebook e o WhatsApp, que também pertence à empresa americana.
“É ação coordenada. Estão censurando em camadas. Completamente orwelliano”, escreveu um dos coordenadores do movimento em mensagem à BBC News Brasil pelo WhatsApp. A referência é ao escritor britânico George Orwell (1903-1950). No livro “1984”, Orwell descreve uma sociedade totalitária, na qual os cidadãos são controlados por uma mistura de propaganda, revisionismo histórico, vigilância e censura.
Ao longo da quarta-feira, a cúpula do movimento começou a estudar formas de responder ao que consideram um ataque do Facebook. Políticos simpáticos ao grupo no Congresso Nacional foram acionados para rechaçar a medida e o grupo estuda a possibilidade de mover ações judiciais contra o Facebook, além de cogitar a realização de manifestações. Ao mesmo tempo, um procurador da República em Goiás, Ailton Benedito, requisitou à empresa a lista de páginas e perfis removidos.
A cúpula do MBL também tomou hoje uma medida de segurança: os coordenadores nacionais do grupo passaram a usar o Telegram, aplicativo de mensagens de origem russa considerado uma alternativa ao popular WhatsApp. É que este último pertence ao Facebook. “Não confio (no WhatsApp)”, justificou um coordenador.
No mundo político, a medida do Facebook foi comemorada por representantes da esquerda. O candidato do PSOL à Presidência da República, Guilherme Boulos, classificou o MBL de “rede criminosa de calúnias e fake news“. “Agora é preciso investigar quem financiou e financia esta turma”, escreveu ele no Twitter. Também pelo Twitter, o senador Humberto Costa (PT-PE) disse que o MBL “foi pego pelo Facebook por manter uma rede de páginas e contas falsas com a finalidade de propagar mentiras”.
O comunicado do Facebook é assinado por Nathaniel Gleicher, identificado como líder de Cibersegurança da empresa. “Nós estamos agindo apenas sobre as páginas e os perfis que violaram diretamente nossas políticas, mas continuaremos alertas para este e outros tipos de abuso, e removeremos quaisquer conteúdos adicionais que forem identificados por ferir as regras”, diz o texto.
Um dos coordenadores do MBL, Pedro D’Eyrot, diz que o Facebook está promovendo “uma cruzada” contra o grupo. “O que nós temos agora é uma empresa estrangeira interferindo na política brasileira, sob a desculpa esfarrapada de tentar proteger as eleições (de notícias falsas)”, diz ele. “A partir do momento que eles começam a agir politicamente, a conversa (com a empresa) é outra”, diz.
Em março deste ano, o jornal O Globo publicou reportagem apontando a suposta ligação do MBL com a página Ceticismo Político, que, na ocasião, divulgou o posicionamento de uma desembargadora carioca relacionando a vereadora assassinada Marielle Franco (PSOL) ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro. O MBL nega ligação com a página – que foi derrubada nesta quarta-feira.
Qual a reação do MBL contra o Facebook?
O grupo cogita uma manifestação contra o Facebook nos próximos dias. Também deve ingressar com ações judiciais contra a empresa – o argumento é o de que o Facebook teria rompido o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, pois algumas das páginas removidas tinham dinheiro aplicado para impulsionar (aumentar a visibilidade) de suas publicações.
Ao longo da quarta-feira, o grupo acionou congressistas de direita para falar contra a suposta “censura” do Facebook – o deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS) chegou a dizer que iria estudar a possibilidade de coletar assinaturas de seus colegas, com o objetivo de instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara.
“Acredito que o melhor ambiente para estes esclarecimentos seja no Congresso, com a instalação de uma CPI. Uma empresa com o tamanho e o alcance do Facebook pode influenciar na tomada de decisões dos eleitores”, disse o deputado. Goergen fez a ressalva de que uma eventual coleta de assinaturas só poderia ocorrer depois do fim do recesso parlamentar.
Em outra ponta, o procurador da República em Goiás Ailton Benedito requisitou à rede social que apresente em até 48 horas a relação das páginas removidas e uma justificativa para a retirada de cada uma delas. À BBC News Brasil, Ailton disse que a requisição tem por objetivo obter dados para uma outra investigação em curso, que visa apurar se o Facebook está “impondo censura de natureza discriminatória ao usuário brasileiro”.
Segundo Ailton, que é o atual chefe do MPF em Goiás, o objetivo é proteger “o direito constitucional à liberdade de informação e opinião”.
“O fato de ser empresa privada não a exclui da obrigação de fornecer essas informações. Sendo um provedor de aplicativo de internet, deve estar de acordo com o Marco Civil da Internet. A internet é um serviço de natureza social e pública”, argumenta o procurador.
Quais páginas foram removidas?
Na manhã de quarta, o Facebook tirou do ar páginas ligadas a células do MBL em São José dos Campos (SP) e em Taubaté (SP). Também removeu páginas de militantes como Renato Battista e Thomaz Henrique Barbosa. Outra página removida foi a do Movimento Brasil 200, uma campanha de empresários pró-liberdade de mercado capitaneada por Flávio Rocha, dono da rede de lojas Riachuelo. Até meados de julho, Rocha era pré-candidato à Presidência pelo PRB, e contava com o apoio do MBL.
No Twitter, Rocha disse que a exclusão da página era “inaceitável” e “uma violência”. “Conclamo a bancada do Brasil 200 no Congresso Nacional a tomar posição sobre essa arbitrariedade. Nem no tempo da ditadura militar se verificava tamanha arbitrariedade”, escreveu ele.
Também foram excluídas páginas mantidas por apoiadores do candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL), mas não perfis oficiais ligados ao capitão da reserva.
Esta não é a primeira vez que o MBL reclama de ter seu conteúdo removido pelo Facebook. No começo de julho, a rede social tirou do ar por duas vezes uma popular página de memes de política, a Corrupção Brasileira Memes (CBM) – a página divulgava conteúdo de humor, ideologicamente associado à direita, e a maioria de seus administradores era de simpatizantes do MBL. A página tinha mais de um milhão de seguidores. Uma outra página de militantes do MBL no Rio de Janeiro também foi removida na mesma época.