Entenda como o dono da JJ Invest enganou celebridades e sumiu com R$ 170 milhões

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Há poucos anos, Jonas Jaimovick dividia com a avó uma quitinete na Rua Prado Júnior, em Copacabana. Costumava recorrer a empréstimo de amigos para fechar as contas, após carreira errática no mercado financeiro e na área administrativa de empresas. Muitas vezes, pedia R$ 50 ou R$ 100 a conhecidos no fim do mês.
 
O patrimônio da família perecia após a morte do pai, em 2012, e diante de dificuldades na Expresso Sul Fluminense, empresa de transportes da família da mãe.

Tentativas de empreender, como numa firma de entrega de convites de casamento, fracassaram. A situação financeira do engenheiro chegara a pôr um fim abrupto em um noivado, por imposição do ex-futuro sogro.

Hoje, Jaimovick é acusado de desaparecer com pelo menos R$ 170 milhões de cerca de 3 mil investidores, entre eles celebridades e esportistas, que acreditaram nas altíssimas rentabilidades oferecidas pela JJ Invest, uma gestora de investimentos irregular fundada por ele em Copacabana. A ascensão e queda do empresário é a história de como ele conquistou e traiu a confiança da comunidade judaica carioca, explorando relações que fizera desde a infância, e de como ampliou o esquema entre góis (como são chamados os não judeus na comunidade) imprimindo credibilidade ao negócio com uma estratégia que misturava publicidade agressiva e laços com artistas e atletas.

Jaimovick era conhecido na comunidade judaica da Zona Sul do Rio. Ex-aluno do Colégio Liessin, frequentava o Clube Hebraica (onde se casou), a associação Beit Lubavitch do Leblon e eventos do movimento juvenil. Foi nesses círculos, em meados de 2016, que conseguiu os primeiros clientes e funcionários. A certa altura, ganhou acesso ao popular grupo de WhatsApp formado por homens da comunidade judaica, o Chaverim(“amigos”, em hebraico). Nele, passou a discorrer sobre o mercado financeiro e a JJ Invest, que prometia fazer render muito bem o dinheiro de clientes na Bolsa de Valores.

A credencial se fortalecia conforme a JJ Invest honrava rendimentos mensais que superavam 10%. Paralelamente, patrocinava qualquer proposta de evento da comunidade que chegasse à sua mesa. A percepção era que, finalmente, Jaimovick havia se tornado bem-sucedido e sido aceito pelas camadas mais abastadas da comunidade judaica carioca.

— Por mais que houvesse indícios de algo errado, o que todos pensavam é que o Jonas jamais iria passar para trás outros membros da comunidade — disse uma pessoa próxima a Jaimovick.

Jonas Jaimovick em cerimônia judaica Foto: Reprodução da internet
Jonas Jaimovick em cerimônia judaica Foto: Reprodução da internet

Em janeiro, após o GLOBO revelar que a empresa estava sendo investigada pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a JJ Invest sofreu uma corrida de clientes por resgate e não conseguiu honrá-los. Há semanas, o paradeiro de Jaimovick é desconhecido, enquanto tentativas de bloqueio judicial se frustraram, deparando com contas zeradas .

O empresário é investigado por crime financeiro, pela PF, e por crime contra a economia popular, pela Polícia Civil. A PF chegou a pedir sua prisão no plantão da Justiça Federal, mas ela foi negada. O juiz determinou, porém, a apreensão dos passaportes dele e de sua ex-mulher, Michele Wakslicht Jaimovick . No último dia 23, ela foi impedida de viajar para Israel com o filho do casal minutos antes de embarcar no Aeroporto do Galeão . Michele já foi ouvida pela PF, assim como ex-funcionários, que afirmam ter pedido demissão em massa após o empresário não conseguir convencê-los da legalidade da JJ Invest.

A PF já recebeu pen drive contendo todas as transações referentes a clientes da JJ Invest, apurou O GLOBO. 

Quando o esquema ruiu, a sensação geral era de traição. Proliferam-se grupos de WhatsApp especialmente dedicados à lashon hará (“maledicência” em hebraico) sobre Jaimovick. No Chaverim , pelo menos 70% dos membros foram lesados. O presidente da Hebraica, Luiz Mairovitch, é um dos que não receberam o que investiram. Sua esposa, a advogada Guiomar Mairovitch, defendia Jaimovick em um processo, mas renunciou ao caso alegando não conseguir contato com o cliente.

Em um grupo de 17 pessoas que perdeu ao todo R$ 4,5 milhões, há notícias de vítimas que desenvolveram depressão, síndrome do pânico e até doenças cardíacas. Entre os pais de alunos da escola judaica Barilan, em Copacabana, a lista de credores é ampla. A Federação Israelita do Rio (Fierj) recebeu ínúmeros apelos por ajuda de clientes da JJ Invest.

— O Jonas rompeu relações de confiança, destruiu vidas, afetou uma comunidade com mais de 100 mil membros e manchou imagens — lamentou uma das vítimas.

Também se dizem traídos dois sócios de uma empresa que Jaimovick registrara na mesma época em que criou a JJ Invest, os comerciantes Joseph El-Mann e Márcio Apelbaum. Registrada como JJM Investimentos, a firma dizia em seu site “gerir, exclusivamente, recursos de terceiros”. A página informava  endereço no edifício CEO Corporate, na Barra da Tijuca, e até um telefone. Na Receita Federal, porém, o cadastro indicava o mesmo endereço em Copacabana onde o CNPJ da JJ Invest estava registrado.

O site da JJM, aberto em nome de El-Mann, está em manutenção, mas os detalhes constam de processo da CVM ao qual o GLOBO teve acesso, assim como o prospecto de um suposto fundo de investimento da JJM indicando rentabilidade mensal sempre maior que 4,5%.

João Francisco Neto, advogado de El-Mann e Apelbaum, diz que seus clientes teriam decidido abrir a JJM para que Jaimovick gerisse os recursos dos dois sem que precisassem repassar o dinheiro para as contas do empresário, como faziam os clientes da JJ Invest. Uma conta da JJM na corretora XP teria sido aberta para isso, garantindo o acesso dos três a ela. Mas, de acordo com o advogado, Jaimovick acabou convencendo seus clientes a desistir do projeto e a fazer aplicações por meio da JJ Invest.

— A JJM jamais movimentou dinheiro. Por causa dessa sociedade que, na prática, nunca se concretizou, os dois estão recebendo ameaças. Mas são vítimas — disse Francisco Neto, informando que seus clientes preferem não divulgar quanto perderam.

O empresário Jonas Jaimovick com Zico Foto: Reprodução da internet
O empresário Jonas Jaimovick com Zico Foto: Reprodução da internet

O GLOBO apurou que El-Mann e Apelbaum figuram, de fato, na lista de clientes da JJ Invest.

Após conquistar a comunidade judaica, Jaimovick ampliou sua base de atuação para outros círculos graças a um investimento agressivo em propaganda e patrocínios, sobretudo no meio esportivo. Em grupos de WhatsApp que reúnem clientes lesados há pessoas de São Paulo, de vários estados do Nordeste e até do exterior.

No esporte, o empresário começou a negociar patrocínios com clubes de futebol de pequeno porte, ex-jogadores e federações. Presenteou ex-jogadores do Flamengo com dezenas de anéis de ouro. Fechou parceria com o clube de Zico, o CFZ, e convenceu o ídolo rubro-negro a investir na JJ Invest. Ele prefere não revelar quanto perdeu. Outro ex-atleta lesado foi o comentarista esportivo Júnior.

A marca da empresa chegou a estampar uniformes de pelo menos 25 times, entre eles o Vasco — que rompeu o contrato de R$ 1 milhão após Jaimovick não ter pago a parcela de janeiro. No Goytacaz, a empresa se comprometeu a pagar até os salários da comissão técnica, que era comandada pelo ex-jogador do Flamengo Athirson, ao custo mensal de R$ 30 mil. Após a equipe ter sido dispensada, o pagamento se daria em troca da exposição da marca no uniforme do clube. De acordo com o presidente do Goytacaz, Dartagnan Fernandes, duas parcelas estão atrasadas.

“Só quero que ele apareça, vá à polícia e resolva a situação” LUNA JAIMOVICK (Irmã do dono da JJ Invest e mulher do jornalista Leonardo Baran, que também reclama de atraso nos pagamentos de patrocínio)

A geografia também não parecia ser um problema para Jaimovick, que patrocinava campeonatos muito distantes do Rio. Na semana passada, a Federação Sergipana de Futebol (FSF) rompeu contrato, informando que há débitos pendentes por parte do empresário e que vai acioná-lo na Justiça.

O empresário costumava levar ao escritório da JJ Invest personalidades como a atriz Viviane Araújo, cujo camarote no Salgueiro ele patrocinava e que diz não ter feito investimentos com ele.

Jaimovick fechou patrocínio até com seu cunhado, o jornalista esportivo Leonardo Baran, que deveria citar a JJ Invest nas redes sociais. Válido até a Copa do Catar, em 2022, o contrato previa pagamento de R$ 20 mil mensais. Baran diz que só recebeu até janeiro.

— Só quero que ele apareça imediatamente, vá à polícia e resolva a situação de todos — disse Luna Jaimovick, mulher de Baran e irmã do empresário, com quem diz não ter contato desde 12 de fevereiro, quando ele ligou de um telefone fixo desconhecido.

Os funcionários da empresa também se dizem enganados por Jaimovick. O engenheiro recorria a terminologias esotéricas do mercado financeiro para impressionar, afirmando ser especialista em “day trade”, tática de compra e venda de ações dentro do mesmo pregão que depende de apostas certeiras e modelos sofisticados para dar certo. No escritório, ele concentrava em suas mãos as transações, segundo disseram ao GLOBO dez funcionários que trabalhavam na JJ.

A empresa contava com dois operadores de Bolsa, mas esses alegam que respondiam por ínfima fração das operações. Jaimovick passava os dias conectados a um terminal “Broadcast”, de informações financeiras, e jactava-se em voz alta de seus “calls” de Bolsa. Quando clientes chegavam à sede da JJ Invest em horários de abertura ou fechamento de pregão, Jaimovick pedia licença para acompanhar os papéis, disseram os funcionários. Eles afirmaram não saber se as aplicações eram de fato realizadas pois não tinham acesso a elas.

Quando bancos suspeitavam das movimentações financeira da JJ Invest e bloqueavam as contas – obrigando a empresa e Jaimovick a abrir contas em diversas outras instituições -, o empresário desconversava, sustentando que não passavam de “questões de compliance” (conformidade). Dizia também ser dono de restaurante, estacionamento, salão de beleza e até de start-ups, patrimônio que garantiria a viabilidade do negócio mesmo diante de problemas. (Seu nome não aparece, porém, associado a nenhuma outra empresa na Junta Comercial, disseram advogados que acompanham processos movidos contra ele).

Pão a metro e champanhe Veuve Clicquot

Quando a JJ Invest começou a adotar estratégia de publicidade mais incisiva, funcionários questionaram a postura, segundo eles, por estranhar que uma empresa sem autorização da CVM para funcionar quisesse chamar tanta atenção. Jaimovick teria explicado que seu objetivo era que a marca da empresa fosse conhecida por todos e demonstrava orgulho com os patrocínios acordados.

Certa vez, em outubro passado, Jaimovick chegou ao escritório com um bolo para celebrar o arquivamento da investigação da PF sobre a empresa e o prazo de seis meses que a CVM teria concedido para sua regularização – fatos que jamais ocorreram.

No fim do ano passado, Jaimovick propôs a dois de seus funcionários a criação de uma nova empresa, dessa vez amparada por gestores credenciados à CVM, que canalizariam os investimentos da JJ Invest. Essa funcionaria como uma holding. A empresa chegou a ser aberta, com o nome de Nova Gestora Asset Management LTDA., no segundo semestre de 2018. De acordo com ex-funcionários da JJ Invest, o plano era que Jaimovick absorvesse 90% das ações no futuro (embora não figurasse entre os quatro sócios registrados). De acordo com eles, porém, o plano não foi para frente por causa dos problemas da JJ Invest. 

– Todos os ex-funcionários vão colaborar com a PF. Muitos deles tinham dinheiro investido na JJ Invest e também foram enganados – disse José Victor Moraes, advogado dos ex-funcionários, que planejam processar Jaimovick na Justiça do Trabalho, já que não tinham carteira assinada.

Coletivamente, os ex-funcionários da JJ Invest estimam ter investido, junto com amigos e familiares, cerca de R$ 5 milhões por meio da empresa. Eles também relatam estar sendo ameaçados por outros credores.

‘Bola preta’ ao tentar ser sócio do Caiçaras

Também emprestava credibilidade a Jaimovick a imagem de simplicidade que transmitia. No escritório, dispensava trajes formais, preferindo bermuda, camiseta e tênis, inclusive em reuniões de negócios, disseram os ex-funcionários. Segundo relatos de quem o conhecia, Jaimovick dirigia um Honda HR-V usado e costumava almoçar em lanchonetes defast food .

Por isso chamou a atenção de todos a mudança de Jaimovick para uma cobertura em Copacabana, onde celebrou o último réveillon com taças de champanhe Veuve Clicquot (não menos que R$ 300 a garrafa). Convidados rememoram, porém, um ágape frugal: o empresário teria servido apenas “pão a metro” e pedido que os convivas trouxessem seus próprios víveres.

Simplicidade à parte, Jaimovick aspirava ingressar em círculos exclusivos. Em pelo menos um deles, foi barrado: sua reputação ascendente foi recebida com frieza pelos membros do Clube dos Caiçaras, na Lagoa, onde levou “bola preta”, disseram duas fontes a par da candidatura fracassada.

20 Comentários

  1. Tem que prender este bandido, sem vergonha.
    Agora, na boa, acreditar em 10 a 15% ao mes, ou a pessoa é burra ou é gananciosa.
    Burra não deve ser, senão não teria dinheiro.
    Merece perder…

  2. Gostaria de saber….se entre estas pessoas da JJ INVEST teria alguem com nome de JOAO VICENTE SILVA, pois este indivíduo lesou varias pessoas no mesmo estilo..tipo lábia..presentes…futebol…altos rendimentos…operacoes em bolsa…participaçao empresas capital aberto..

  3. Triste que pessoas como esse Jaimovick façam essa maldade de fugir com o dinheiro de pessoas que acreditaram nele. Muito triste que o mundo ainda está cheio de pessoas assim.

  4. “Por mais que houvesse indícios de algo errado, o que todos pensavam é que o Jonas jamais iria passar para trás outros membros da comunidade”. Ou seja, enquanto aplica golpes em não judeus e assegura a rentabilidade do “clubinho”, tudo certo.

    • Pensamento errado.Não foi um complô de judeus contra não judeus.Foi um golpista que lesou todos, indiscriminadamente.Esta vez foi um judeu.A próxima vez será um árabe e na seguinte um cristão,etc…
      Enqusnto houver pessoas gananciosas em busca de dinheiro fácil, sempre haverá um vigarista de plantão.Assim como existem antissemitas de plantão e outros oportunistas de caráter duvidoso.

    • Não, o ato de roubar é errado independente da religião do bandido e da vítima mas, considerada a história de perseguições dos judeus, a comunidade se apoia e ser enganado por outro judeu é o equivalente a um irmão roubar o outro.

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