Cacumbu

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Para ser cacumbu não basta ser velho; o conceito exige ser desgastado pelo uso e, ainda sim, servir para eventual tarefa. Assim, uma enxada velha, se pouco usada, não se torna cacumbu; torna-se, apenas, uma ferramenta velha. Para alcançar a “cacumbice”, derivação aqui forçada, necessita-se ter percorrido eitos de sólidos áridos, ter capinado amarra coruja, ter arestas aparadas por limas e pedregulhos e, contudo, ter-se mantido firme e encavado. Os pais, por exemplo, para seus filhos já criados, são sempre “cacumbus”, isto é, mesmo desgastados e aparentemente inúteis, os pais mantêm-se à disposição dos filhos, em especial em situações onde as “amarra corujas” da vida insistem em atormentá-los.

Por outro lado, ser velho também não é pré-requisito para ser cacumbu; muitos se desgastam precocemente e, desta forma, ainda jovem se tornam cacumbu. A cantora Amy Winehouse, por exemplo, já estava cacumbu, mesmo com menos de três décadas de idade. O perigo da “cacumbice” precoce é ser largado à mercê da ferrugem e, com isto, sucumbir-se antes do seu tempo.

Nem todos se permitem a “cacumbice”. Kurt Cobain, do Nirvana, preferiu sair de cena antecipado a tornar-se cacumbu. Pelé, antes de passar uma imagem de atleta cacumbu, optou-se por parar no auge. Já o piloto Ayrton Senna, por fatalidade, também não atingiu tal feito.

Outra característica do cacumbu é a não perda da originalidade, isto é, um cacumbu de enxada continua sendo enxada, servindo, inclusive, para capinas difíceis, onde uma enxada nova, e desprovida de traquejo, dificulte o manuseio. Em exemplo, tivemos o Gianfrancesco Guarnieri, que em sua última atuação em novela global já se mostrava cacumbu, contudo continuava um artista. Enfim, cacumbu significa ter sido útil até se exaurir e, mesmo assim, continuar-se à disposição, caso lhe enxerguem a presteza.

Na arquitetura, uns diriam que o Niemeyer seria um cacumbu, contradizendo, com isto, o conceito, haja vista que, para ser cacumbu, presume-se não assumir grandes empreitadas. Se o nobre arquiteto em tal conceito se enquadrar, que se lhe deem os méritos e o devido respeito, diferenciando-o do lugar comum, intitulando-o “cacumbu-mor”.

Com mais um forçada na gramática, podemos verbalizar o substantivo, de forma a constituir o infinitivo “cacumbir” e, com isto, ter a permissão para conjugar e flexionar o novo verbo. Assim, todas as vezes que somos relegados em nossa essência, nós nos “cacumbimos”. Portanto, tornar-se “cacumbu” não é demérito; pelo contrário, tornar-se cacumbu é ter-se doado em essência até se polirem as arestas.

Léssio Lourenço Nunes é Analista Executivo em Metrologia e Qualidade do Inmetro.

Em minha terra natal, nos cafundó de Minas, qualquer de meus malungos não se ofenderia se, porventura, alguém o chamasse de cacumbu; eles apenas lhe retrucariam com um elegante e polido “importa-me lá!”.

E você, que aturou a leitura deste escrito, já se sentiu ou se sente um cacumbu?

Esse texto foi publicado pela primeira vez na intranet da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana – SEDRU, do Governo de Minas Gerais, em fevereiro de 2012. No Inmetro, o texto foi divulgado na página CICMA, no espaço Coffee Break, à época do Programa de Integração de Novos Servidores – PINS, em junho/2012.

A inspiração para o escrito surgiu durante um capina de um quintal cujo terreno estava árido e cheio de entulhos. Nessa ocasião, um cacumbu de enxada se mostrou a melhor ferramenta para o difícil trabalho.

Artigo  Publicado em nossa página no dia 19 Julho 2013 

ASMETRO-SN 05/09/2019

7 Comentários

  1. Saudacões Cacumbuianas… kkk… parabéns caro sr. L. L. Nunes pelo criativo e emaranhado texto. Já conhecia sua destreza lexical e gramatical, todavia, está destacou se dentre as demais… abraços….

  2. Maravilhoso esse texto, em uma linguagem simples do chão de fábrica falou tudo que vem ocorrendo na indústria.
    Como ouvir por várias vezes pelo meu Professor de de Metrologia Valdir Michelloto “Nunca me chamem de velho, velho e aquele homem que fica em um balcão de bar falando do que fez na vida.
    ….sou Idoso, por que fico o dia todo em uma sala de aula repassando tudo que a vida me ensinou”.

  3. Amei o texto!
    Que todos os candidatos a “cacumbus” como nós, não percamos a sensibilidade para apreciar a poesia e o conhecimento do autor.
    Parabéns!!

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