PGR denuncia Witzel; confissão de empresário aponta suposto desvio de R$ 50 milhões no governo

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A candidatura de Wilson Witzel ao governo do Rio de Janeiro teria contado com a ajuda financeira de um grupo empresarial acusado de posteriormente aparelhar o estado e desviar cerca de R$ 50 milhões em propinas, de acordo com novo depoimento do empresário Edson Torres, apontado como operador financeiro do grupo de Pastor Everaldo.

O empresário compareceu de forma voluntária ao Ministério Público Federal (MPF), após a deflagração da Operação Tris in Idem, que culminou no afastamento do governador, para explicar como funcionava o esquema de corrupção que teria usado a máquina pública em proveito próprio. Nesta segunda-feira, a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou,

pela segunda vez, Witzel ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O governador afastado foi apontado como líder de uma organizaçao criminosa que teria montado um esquema para desviar dinheiro público. O depoimento faz parte dessa nova denúncia.

De acordo com o depoimento do empresário Edson Torres, Witzel teria recebido R$ 980 mil quando ainda era juiz federal e mais R$ 1,8 milhão do grupo, até o fim do segundo turno, no intuito de garantir a atuação ilícita da organização criminosa caso ele vencesse. Após as eleições, o grupo teria estruturado um esquema de corrupção na Saúde, na Cedae e no Detran, e criado uma “caixinha da propina” que seria irrigada com um percentual entre 3% e 7% dos contratos.

 Witzel já havia sido denunciado, no último dia 28, por corrupção (ativa e passiva) e lavagem de dinheiro. Na nova denúncia, a subprocuradora-geral da República Lindôra Maria Araújo aponta o governador afastado Wilson Witzel como “chefe de uma organização criminosa” que teria praticado os crimes de corrupção ativa e passiva, fraude a licitações e peculato em detrimento do estado do Rio de Janeiro. Também foram denunciados Helena Witzel  e outras dez pessoas.

A denúncia traz imagens de anotações que teriam sido feitas de próprio punho por Wilson Witzel que indicam que ele teria conhecimento dos honorários recebidos pelo escritório advocatício de Helena Witzel. O caderno de anotações foi apreendido pela Polícia Federal dentro de uma bolsa de Helena, no Palácio Laranjeiras. 

. Foto: Editoria de Arte
. Foto: Editoria de Arte

O documento mostraria que “Wilson Witzel acompanhava diretamente os pagamentos das referidas empresas para o escritório de Helena Witzel”, segundo trecho da denúncia. Apesar de o escritório pertencer a apenas a Helena, o casal Witzel mudou o regime de casamento para comunhão universal de bens em setembro do ano passado, “o que, pelas regras do Código Civil, importa na comunicação de todos os bens presentes e futuros do casal, tornando seu patrimônio uno”.

. Foto: Editoria de Arte
. Foto: Editoria de Arte

Wilson Witzel foi afastado do governo do estado do Rio de Janeiro no fim de agosto, quando foi denunciado pela PGR por corrupção (ativa e passiva) e lavagem de dinheiro. A PGR chegou a solicitar a prisão preventiva ao STJ. No entanto, o relator do caso, ministro Benedito Gonçalves, autorizou, no dia 28 de agosto, apenas o afastamento por 180 dias e determinou medidas cautelares, para evitar que ele, direta ou indiretamente, use seu poder para atrapalhar as investigações. No dia 2 de setembro, a Corte Especial do STJ decidiu por manter o afastamento. Agora, Witzel ainda tem pela frente o processo de impeachment na Alerj.

Chefe da organização

Também foram denunciados o pastor Everaldo Pereira, presidente nacional do PSC; Edmar Santos e Lucas Tristão, ex-secretários da Saúde e Desenvolvimento Econômico, respectivamente; o ex-prefeito de Volta Redonda, Gothardo Netto; o empresário Edson Torres, que é apontado como operador financeiro do esquema de corrupção na Saúde; o doleiro Victor Hugo Barroso, também apontado como o operador financeiro do esquema; além de Nilo Francisco da Silva Filho, Cláudio Marcelo Santos Silva, José Carlos de Melo e Carlos Frederico Loretti da Silveira.

A denúncia aponta o governador afastado Wilson Witzel como chefe de uma organização criminosa lastreada em três principais pilares. O primeiro grupo encabeçado por Mario Peixoto; o segundo, pelo trio Pastor Everaldo, Edson Torrres e Victor Hugo Barroso; e o terceiro por José Carlos de Melo.

O núcleo econômico era formado por empresários e lobistas que teriam interesses em contratos públicos, os quais ofereceriam vantagens indevidas a políticos e gestores públicos. Fazem parte desse núcleo, segundo o MPF, os denunciados Edson Torres, Gothardo Netto, Victor Hugo, José Carlos de Melo e Mário Peixoto.

O núcleo administrativo era composto por gestores públicos do governo estadual, que teriam solicitado e administrado o recebimento das vantagens indevidas pagas pelos empresários. Os ex-secretários Edmar Santos e Lucas Tristão seriam integrantes desse grupo. Já o núcleo financeiro-operacional seria composto por Helena Witzel, Nilo Francisco, Cláudio Marcelo e Kiko. Eles seriam responsáveis pelo recebimento e repasse das vantagens indevidas e pela ocultação da origem espúria, inclusive por meio da utilização de escritórios de advocacia e empresas, algumas delas constituídas exclusivamente para essa finalidade, segundo a denúncia.

O núcleo político, no topo da pirâmide, seria composto pelo governador do Estado e o presidente do PSC, Pastor Everaldo. De acordo com a denúncia, o governador afastado teria tido participação ativa em todos os fatos delitivos narrados, loteando os recursos públicos em prol da organização criminosa, recebendo vantagem ilícita e lavando dinheiro a partir do escritório de advocacia da primeira-dama.

Caixinha da Propina

De acordo com o depoimento de Edson Torres, Witzel teria recebido R$ 980 mil em espécie quando era juiz federal. Os valores teriam sido entregues ao próprio Witzel e a Lucas Tristão, segundo a denúncia. Após iniciar a campanha, Edson e Victor Hugo teriam entregue ao Pastor Everaldo o total de R$ 1,8 milhão, em dinheiro que teria sido parcelado de abril até o final do segundo turno. Após as eleições, segundo a denúncia, o grupo que aportou recursos financeiros na campanha do então candidato teria fatiado as secretarias e estatais “com o escopo de ter retorno econômico”: Helio Cabral teria assumido a presidência da Cedae por indicação do Pastor Everaldo; Edmar Santos teria assumido a Saúde por indicação de Edson Torres; Juarez Fialho, que era sócio de Victor Hugo, teria assumido a Secretaria das Cidades e, interinamente, a Secretaria de Trabalho e Renda.

O grupo teria montado uma “caixinha da propina” que, segundo Edson Torres, entre janeiro de 2019 e julho de 2020 teria arrecadado vantagens indevidas no valor de aproximadamente R$ 50 milhões. Segundo Torres, a propina era sempre exigida em espécie. O percentual a ser exigido variava caso a caso, de acordo com o contrato. Em regra, variava de 3% a 7%. Teria sido combinada a seguinte divisão da propina: 15% para Edson Torres, 15% para Victor Hugo, 30% para Edmar e 40% para a estrutura de governo, que englobava o Pastor Everaldo e o então governador, Wilson Witzel.

Em nota, o governador Wilson Witzel informou o seguinte: “Mais uma vez, trata-se de um vazamento de processo sigiloso para me atingir politicamente. Reafirmo minha idoneidade e desafio quem quer que seja a comprovar um centavo que não esteja declarado no meu Imposto de Renda, fruto do meu trabalho e compatível com a minha realidade financeira. Todo o meu patrimônio se resume à minha casa, no Grajaú, não tendo qualquer sinal exterior de riqueza que minimamente possa corroborar essa mentira. O único dinheiro ilícito encontrado, até agora, estava com o ex-secretário Edmar Santos”.

A defesa do Pastor Everaldo informou, em nota que não comentará trechos do processo que corre em segredo de Justiça: “A defesa do Pastor Everaldo esclarece que ainda não teve acesso à íntegra da investigação e da delação que embasaram sua prisão, ocorrida há 20 dias. A defesa informa que a nova de denúncia não está juntada aos autos processo e que não comentará trechos de processo que corre em segredo de Justiça. O Pastor Everaldo, que sempre esteve à disposição das autoridades, reitera sua confiança na Justiça e na sua libertação”.

A defesa de Edmar Santos disse que não irá se manifestar sobre o caso.

PGR aponta função de cada um no esquema

Wilson Witzel

Apontado pela investigação como principal líder da organização criminosa. Com suposta participação em todos os fatos delitivos, ocupando a chefia do Poder Executivo do Rio de Janeiro, teria loteado os recursos públicos do Estado em prol da organização criminosa, recebendo vantagem ilícita e lavando dinheiro a partir do escritório de advocacia da primeira-dama, de acordo com a denúncia do MPF.

Helena Witzel

Seria responsável pelo processo de lavagem de capitais das vantagens indevidas auferidas organização criminosa que caberiam ao marido, Wilson Witzel. Por meio de seu escritório de advocacia, teria recebido valores oriundos de Mário Peixoto e Gothardo Netto – únicos clientes do escritório – numa tentativa de dissimular a origem dos pagamentos, segundo a investigação.

Everaldo Pereira (Pastor Everaldo)

Ao lado de Wilson Witzel, teria estruturado a organização criminosa nas áreas da Saúde, Cedae e Detran, comandando o orçamento dessas pastas, as suas contratações, a distribuição de cargos e até mesmo o pagamento dos recebíveis prestadores de serviços e repasses aos municípios (desvio de valores do FinanSus), sempre auferindo vantagens indevidas nas diversas oportunidades identificadas pelo grupo, ao fazer uso das estruturas do Estado, de acordo com a denúcia. Seria responsável pela indicação de empresas e agentes, tudo para a suposta montagem da estrutura que teria permitido as fraudes e subsequentes desvios de dinheiro e sua lavagem.

Lucas Tristão

Homem de confiança e braço-direito do então governador Wilson Witzel, seria integrante do núcleo administrativo da organização criminosa. Exerceu o cargo de Secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado do Rio de Janeiro, mas detinha poder e influência sobre outras pastas. Tinha importante função na interlocução entre Wilson Witzel e Mário Peixoto, sendo pessoa de confiança de ambos, segundo a denúncia.

Gothardo Netto

Pessoa com mais prestígio e intimidade com o então governador Wilson Witzel, segundo a investigação. Diretamente vinculado ao Hospital Jardim Amália LTDA, que teria celebrado contrato fraudulento com o escritório de Helena Witzel. Após quebra de sigilo telefônico de Witzel, foi encontrada troca de mensagens entre ele e Gothardo, que também visitou o governador no Palácio Laranjeiras. Seria o responsável pela Associação de Proteção à Maternidade e Infância de Mutuípe, que teria sido indicada pela organização criminosa para gerir o Hospital Zilda Arns (licitação fraudulenta, segundo a denúncia).

Edson Torres

Seria integrante do segundo grupo que orbita a cúpula do Executivo do Estado do Rio de Janeiro, possuindo relação estreia com Pastor Everaldo. Com a criação do FinanSus, teria sido agente essencial, junto com Everaldo, na concepção do suposto modelo criminoso de desvio de verbas em favor da organização criminosa. Ele teria sido o primeiro a informar Edmar Santos de que R$ 100 milhões (em duas cotas de R$ 50 milhões) seriam repassadas ao município de Duque de Caxias, mostrando conhecer e integrar a estrutura delituosa. Teria atuação principal na administração de contratos, fraudes à licitação e pagamentos de vantagens indevidas, fazendo-o em conjunto com Pastor Everaldo, de acordo com informações do MPF.

Edmar Santos

Teria sido alçado ao cargo de Secretário estadual de Saúde pela organização criminosa segundo a denúncia. É acusado de ter sido peça chave no núcleo administrativo para permitir que o grupo criminoso alcançasse vantagens indevidas por meio de contratos direcionados a empresas indicadas. Sob sua chefia, teriam sido implementados os esquemas criminosos para o direcionamento na contratação de OSs, desvio de parcela de valores repassados a Municípios pelo FinanSus e desvio de valores pagos a OSs a título de “restos a pagar” .

Victor Hugo Barroso

Principal operador financeiro que atua no núcleo comandado pelo Pastor Everaldo, segundo a investigação do MPF, teria as funções de negociar, arrecadar e custodiar valores de propina do grupo, e realizar contabilidade paralela do grupo. Além de sócio de uma transportadora de valores e segurança, possui, de acordo com a denúncia,  offshores registradas em nome da mãe e da irmã, cujas estruturas são perfeitas para a realização dos atos de lavagem de dinheiro demandados pela organização criminosa.

Nilo Francisco da Silva Filho

Seria preposto de algumas empresas fornecedoras do Hospital Universitário Pedro Ernesto, como a Verde e a Magna. Teria solicitado a Edmar Santos que as empresas que ele representava recebessem prioritariamente os pagamentos, em troca de vantagens indevidas, estabelecidas entre 5% e 10% dos valores a serem pagos; a partir daí, teria passado a agir como intermediário de Edson Torres. Teria atuado, ainda, como preposto da Crater, de propriedade de Pedro Osório, empresa contratada para prestar serviços ao Hospital Pedro Ernesto.

José Carlos de Melo

Empresário influente, seria integrante do núcleo econômico da organização criminosa. Teria proposto ao então Secretário de Saúde, Edmar Santos, o pagamento mensal de R$ 300.000,00 em troca de negociar empresas para serem contratadas na área da saúde, concretizando o pagamento de R$ 600 mil em espécie. Os registros de visitantes de José Carlos de Melo corroboram, segundo a denúncia, a forte vinculação política e econômica do denunciado, que recebia com frequência em sua casa nomes importantes do governo Witzel e do cenário político fluminense, bem como outros empresários envolvidos em contratações ilícitas investigadas.

Carlos Frederico Loretti da Silveira (Kiko)

No núcleo financeiro operacional, José Carlos de Melo contava, segundo a denúncia, com a atuação determinante de Carlos Frederico (Kiko), empresário que possui empresas fornecedoras de insumos médicos e de prestação de serviços ambientais. Carlos Frederico (Kiko) seria o responsável por indicar empresas a serem contratadas pela Secretaria de Saúde, de acordo com os interesses da organização criminosa. Também teria sido emissário de José Carlos de Melo para o pagamento de R$ 200 mil em espécie em favor de Edmar Santos.

Cláudio Marcelo Santos Silva

Teria atuado como operador financeiro de parte da organização criminosa, de maneira que recebia, fazia a guarda e a contabilidade de valores ilícitos destinados a Edmar Santos, de quem passaria a ser intermediário. Depois que Edmar assumiu o cargo de Secretário de Saúde, Cláudio Marcelo teria passado a combinar com Nilo Francisco da Silva FIlhos a forma de se efetivar o recebimento da propina em dinheiro em espécie. Edmar afirmou ter aproximadamente sete milhões de reais, 175 mil dólares e 200 mil euros em poder de Cláudio Marcelo, no Brasil e em um cofre no exterior que este tinha acesso, fato documentalmente confirmado pelo próprio banco, segundo a denúncia.

Crédito: Chico Otavio e Pedro Zuazo/O Globo – disponível na internet 15/09/2020

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