Cunha é cassado e culpa governo Temer por perda de mandato.

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 O ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) teve seu mandato cassado nos últimos minutos da segunda-feira, marcando o fim de uma força política que detonou o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, e, sem sair da linha polêmica que vinha seguindo, caiu atirando e apontou o governo de Michel Temer como um dos culpados pela perda do mandato.

Para ele, o resultado com larga vantagem para sua cassação –450 votos favoráveis, 10 contra e 9 abstenções– foi fruto de uma conjuntura que reuniu a articulação do governo e a proximidade das eleições municipais, além de ter sido alimentado por um desejo de “vingança” nutrido por aliados de Dilma.

“É o conjunto político, do processo de vingança, da conjuntura. E aí eu culpo o governo hoje, não porque o governo tenha feito nada para me cassar, mas quando o governo patrocinou a candidatura do presidente que se elegeu em acordo com o PT, o governo, de uma certa forma, aderiu à agenda da minha cassação”, disse.

Cunha refere-se à eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) ao comando da Casa, candidatura que contou com o apoio de aliados de Dilma justamente por ser a mais competitiva em contraposição ao candidato mais identificado com Cunha.

“Eu disse que o governo é culpado quando fez o patrocínio, porque quem elegeu o presidente da Casa foi o governo, quem derrotou o candidato Rogério Rosso (PSD-DF) foi o governo”, afirmou, negando no entanto, que seja de seu feitio fazer ameaças.

A cassação de Cunha marca o fim, ao menos por ora, de sua carreira política, já que com a Lei da Ficha Limpa a perda do mandato o deixa inelegível por oito anos, mas não encerra a controvérsia que cerca o deputado. Cresce agora, no ambiente político, o temor que faça uma delação premiada no âmbito da Lava Jato, podendo envolver integrantes do atual governo.

Questionado por jornalistas se faria este tipo de acordo, Cunha afirmou que apenas criminosos fazem delação e, como segundo disse, não cometeu crimes, não tem o que delatar.

DE LÍDER DO CENTRÃO A CASSADO

Cunha saiu de um contexto em que era uma das principais lideranças políticas do Congresso para uma situação de debandada de aliados. Antes, no tempo em que presidiu a Câmara entre 2015 e 2016, reuniu um grupo de parlamentares da base do governo Dilma que sob seu comando impôs derrotas importantes em votações caras ao Palácio do Planalto.

O grupo de mais de 200 parlamentares tornou-se uma tropa capaz de prolongar a tramitação do processo de cassação por quebra de decoro parlamentar que Cunha sofreu sob a acusação de ter mentido quando depôs espontaneamente à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras.

Na ocasião, negou ter contas no exterior, mas documentos dos Ministérios Públicos da Suíça e do Brasil apontaram a existência de contas dele e de familiares no país europeu.

Ainda assim, Cunha mantinha sua força política junto ao grupo de mais de 200 parlamentares e ganhou especial interesse de integrantes da oposição a Dilma, que viam no deputado a chance de levar adiante um impeachment da então presidente.

Passou a ver sua força diminuir quando o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou denúncia e o transformou em réu, em março deste ano. Depois, em maio, o STF determinou seu afastamento do cargo de presidente da Câmara e a suspensão de seu mandato. Em junho, o deputado tornou-se réu em uma segunda ação penal.

Não bastassem os reveses jurídicos, Cunha passou a perder aliados no campo político. Uma vez efetivado o impedimento de Dilma, passou a sofrer críticas duras da oposição à petista.

A situação chegou ao ponto de aliados aconselharem-no publicamente a renunciar antes que o Conselho de Ética aprovasse um parecer pela cassação. Perdeu o timing, e, em seu último discurso antes da votação que cassou seu mandato, pediu que os colegas votassem não pelo conjunto da obra, mas pelas acusações específicas que recaem sobre ele.

Em sua defesa, adotou uma postura de ataque e disse ser vítima de vingança por ter aceito o pedido de abertura de processo de impeachment, além de afirmar que recebeu tratamento diferenciado por parte da Justiça.

“É só por vingança”, declarou da tribuna, pouco antes da votação que selou seu destino político. “Alguém tem dúvida que se não fosse a minha atuação teria aquele processo de impeachment?”, questionou.

“Estou pagando o preço de ter o meu mandato cassado por ter dado continuidade do processo de impeachment… é o preço que estou pagando para o Brasil ficar livre do PT.”

O PROCESSO

A representação que deu origem a processo de cassação foi apresentada em outubro do ano passado pelo PSOL e pela Rede, além de ter sido assinada por deputados de outros partidos, muitos deles do PT, a partir de denúncias da existência de contas bancárias secretas na Suíça de Cunha e de familiares.

Após muitas idas e vindas, o Conselho de Ética aprovou, em junho, o parecer do deputado Marcos Rogério (DEM-RO), pela cassação do mandato do parlamentar.

Aliados, já mais esparsos, tentaram recorrer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, sem sucesso, e também lançaram mão de prerrogativas do regimento para tentar amenizar a pena do deputado.

Chegaram a aventar a possibilidade de, a exemplo do que foi feito na votação que cassou o mandato de Dilma mas manteve seus direitos políticos, fatiar a votação.

O deputado Carlos Marun (PMDB-MS), por exemplo, apresentou questão de ordem defendendo que pudesse ser colocado em votação não o parecer de Rogério pela cassação, mas um projeto de resolução, passível de ser emendado –comportando, inclusive, uma pena mais branda a Cunha.

Mas apesar do empenho de Marun, e da iniciativa do próprio Cunha de procurar pessoalmente vários deputados, pedindo que não dessem quórum na sessão desta segunda-feira, a proximidade das eleições municipais e a pressão popular não deixaram muita margem para outro resultado que não a cassação. 

PERFIL-Artífice do impeachment e agora cassado, Cunha é conhecido por cair atirando.

Responsável pela decisão que deu início ao processo de impeachment que culminou com a destituição da agora ex-presidente Dilma Rousseff, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que na segunda-feira também sentiu o gosto de ter o mandato cassado, é conhecido por cair atirando contra seus adversários e até contra aqueles que julga que poderiam tê-lo salvado.

Conhecido por ser um parlamentar polêmico antes mesmo de ser eleito à presidência da Câmara em fevereiro de 2015, Cunha tornou-se um antípoda de Dilma ainda quando era líder da bancada de deputados do PMDB, em 2014, quando liderou o chamado “centrão” que impôs derrotas à petista e lhe garantiu uma vitória esmagadora, ainda no primeiro turno, na disputa pela presidência da Câmara, contrariando o Palácio do Planalto.

No comando da Casa, no entanto, o comportamento de Cunha, muitas vezes agressivo e, para críticos, até autoritário quando contrariado acabou fazendo com que colecionasse inimigos até mesmo entre os que outrora foram seus aliados.

Em um desses casos, Cunha se desentendeu com o deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), a quem entregou a relatoria da comissão que elaborou uma proposta de reforma política. Ele não gostou do trabalho feito pelo aliado, chegando a apontar “falta de inteligência política” em Castro. Cunha acabou por descartar o documento elaborado pelo relator ao votar a reforma política no plenário da Câmara.

O período de Cunha também ficou marcado pelas denúncias de irregularidades contra o parlamentar e pela forma como Cunha, que é evangélico da Assembleia de Deus, não dava a outra face a seus adversários e subia o tom sempre que atacado.

Foi em um movimento como esse que rompeu publicamente com o governo Dilma, em julho de 2015, quando reagiu a uma acusação feita contra ele por um delator da operação Lava Jato afirmando ser alvo de perseguição elaborada por um “bando de aloprados” instalado no Palácio do Planalto.

À época, declarou guerra pública ao PT, a quem passou a criticar frequentemente em suas entrevistas quase diárias aos jornalistas que cobrem a Câmara dos Deputados.

“O PT é o meu adversário e todos sabem. O PT pedindo a minha destruição só me dá alegria, porque se pedisse a minha permanência, talvez eu tivesse errado”, disse o deputado à época.

Também reagiu disparando contra seus adversários quando o PT anunciou em dezembro do ano passado que seus membros do Conselho de Ética na Câmara anunciaram que votariam de forma favorável ao processo que culminou na segunda-feira com sua cassação.

No mesmo dia do anúncio, Cunha aceitou o pedido de abertura de processo de impeachment contra Dilma, deflagrando o processo que, nove meses depois, culminaria com a cassação do mandato da petista.

“O embasamento disso (aceitação do pedido de abertura de processo de impeachment) é única e exclusivamente de natureza técnica, e a juízo do presidente da Câmara é única e exclusivamente de autorizar a abertura, não o de proferir o seu juízo de mérito”, disse Cunha a jornalistas, buscando afastar a ideia de que retaliou os petistas pela decisão de não apoiá-lo.

MANOBRAS PROTELATÓRIAS

O processo contra Cunha no Conselho de Ética foi marcado por uma série de manobras, que fizeram com que a tramitação de arrastasse, e pelos constantes ataques do agora ex-deputado ao presidente do colegiado José Carlos Araújo (PR-BA).

Foi marcado também por uma série de ações no Supremo Tribunal Federal, tanto da defesa de Cunha quando de seus adversários. Em uma delas, Cunha acabou afastado da presidência da Câmara em maio. Dois meses depois, o então parlamentar renunciou ao comando da Câmara, alegando que a Casa estava “acéfala” e atacando um outro ex-aliado, o vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA).

Na trajetória iniciada com sua eleição para o comando da Câmara até sua cassação, Cunha também viu seu nome envolvido por várias vezes na operação Lava Jato, tornando-se réu em duas ações penais no STF.

Agora sem mandato e sem prerrogativa de foro junto ao Supremo, Cunha deverá ficar sob jurisdição do juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal do Paraná, responsável pelos processos da Lava Jato na primeira instância.

Resta saber se reagirá como tem feito nos últimos meses e se, atingido, reagirá disparando contra adversários e contra os que avalia que poderiam ajudá-lo e não o fizeram.

Crédito: Reuters Brasil – disponível na web 13/09/2016

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