Raio X do Funcionalismo: Serviços insatisfatórios para impostos muito altos

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Brasileiros consideram que pagam caro, recebem pouco em troca, e que governo gasta mal o que arrecada. Saúde, segurança e atendimento ao público são os itens com pior avaliação, segundo pesquisa da CNI

Falta de estrutura, longas filas, burocracia e aparente despreparo. Essas costumam ser algumas das queixas recorrentes dos brasileiros em relação ao FUNCIONALISMO PÚBLICO. Cada vez mais, eles têm tido a impressão que pagam caro por serviços ruins, mostra o levantamento Retratos da Sociedade Brasileira, divulgado em junho pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A pesquisa aponta que nove em cada 10 entrevistados concordam que, considerando o valor dos impostos, a qualidade dos serviços públicos deveria ser melhor no Brasil.

As insatisfações ficam mais evidentes em momentos de dificuldade econômica. Nessas épocas, por estarem sem recursos, mais pessoas passam a depender dos serviços oferecidos pelo governo. Ao mesmo tempo que aumenta a procura, cresce o descontentamento com o resultado. “Na crise, é mais fácil perceber os problemas. Quando a gente precisa, vê o quanto falta qualidade no setor público”, observa a cuidadora de idosos Teresa Jesus Pedrosa, 60 anos. Nos últimos anos, mais pessoas chegaram à mesma conclusão. Enquanto, em 2010, 81% dos brasileiros afirmavam que os serviços deveriam ser melhores, a porcentagem subiu para 87% este ano.

Quando, não raro, Teresa precisa levar os idosos para serem atendidos nos hospitais públicos, sente falta de funcionários, remédios, equipamentos e espaço. Esse quadro, na opinião dela, sobrecarrega os servidores e deixa o ambiente mais estressante. “Tem vezes que passo a noite esperando e, mesmo assim, não consigo ser atendida. Parece que não querem nos ajudar”, acredita a cuidadora.

Ela não é a única que reclama dos hospitais públicos do país. Com base nos resultados da pesquisa, a CNI chegou a um índice, de zero a 100, para medir a satisfação da sociedade. Quanto mais alto, maior o número de avaliações positivas. Valores acima de 50 mostram que a maioria das pessoas está satisfeita com o serviço. No levantamento de 2016, nenhuma das categorias conseguiu ultrapassar essa nota. A última vez que isso aconteceu foi há seis anos, quando os Correios tiveram índice de 51, o maior registrado pela pesquisa. Este ano, a nota só ultrapassou 30 em sete dos 13 serviços avaliados.

“As reclamações das pessoas são válidas. Em geral, os serviços públicos realmente deixam a desejar”, julga o especialista em administração pública Jorge Pinho, professor do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB). O principal problema, segundo ele, é de gestão, já que os chefes não são selecionados por competência. “Troca-se o dirigente de acordo com a conveniência política, não por adequação ao cargo público. Isso acaba impactando no resultado do serviço prestado”, explica.

A falta de preparo dos funcionários também é uma das maiores queixas da administradora Lorrana Lima, 26 anos, que define o atendimento no setor público como “desorganizado”. “Parece que não há nenhum tipo de preocupação com as pessoas”, observa.  Não por acaso, o atendimento ao público foi o serviço que teve a terceira pior avaliação na pesquisa, com 25 pontos. Perdeu apenas para saúde, com 20, e segurança, que teve 22.

Reclamação

“Se você liga para um telefone, te mandam para outro, que te transfere para mais um, e assim vai. Até que você volta para a primeira pessoa que te atendeu”, concorda o cineasta Pedro Lacerda, 60, que acredita ser necessária uma cobrança maior por parte dos superiores hierárquicos. “O governo gasta muito, mas de forma errada e ineficiente, o que resulta em ainda mais problemas. O imposto não dá respostas às necessidades da população. Tudo que se arrecada deveria ser devolvido ao povo”, reclama o cineasta. E com razão. Afinal, um terço do Produto Interno Bruto (PIB) é revertido em impostos, todos os anos, segundo dados da Receita Federal.

Especialista em administração pública, o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Antonio Lassance ressalta que, em muitos casos, o atendimento ruim pode ser explicado por falta de mão de obra. “A qualidade do serviço prestado depende de que esse profissional voltado ao público esteja presente em quantidade razoável. É isso que evita filas, por exemplo”, pondera.

Além disso, os servidores precisam ser qualificados e motivados – por meio de salários justos e capacitação adequada, com formação mesmo depois de empossados no cargo. “Isso tudo é essencial para que os servidores cumpram bem suas obrigações, atendam ao público de forma civilizada e evitem conflitos de interesse. Quando essas variáveis não funcionam, o serviço público falha”, resume.

Pouco investimento

Devido às peculiaridades dos serviços prestados pelo governo, os fatores que determinam a qualidade são múltiplos. Avaliar esses diferenciais é mais complicado do que parece, afirmam os especialistas. A começar pela base de comparação, que é bem diferente dos serviços oferecidos pela iniciativa privada.

“É preciso entender a diferença básica entre o serviço público e o privado. No segundo, o objetivo é vender. Por isso, há uma margem maior para facilitar o contrato, acelerar o processo e fechar a venda. No setor público, o fim é o bem comum. Não é para facilitar, mesmo”, explica o presidente da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp), Alex Canuto.

Para comparar a eficiência dos serviços é preciso avaliar os recursos disponíveis, acrescenta o professor Clovis Bueno de Azevedo, da Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas (Eaesp/FGV).”Ter acesso a um atendimento particular de qualidade é muito caro, tanto na saúde quando na educação. Se compararmos um hospital particular com o Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, percebemos que o primeiro custa imensamente mais”, analisa.

O gasto anual por habitante com saúde pública é de R$ 1,4 mil, segundo estudo divulgado pela ONG Contas Abertas, em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM) – valor equivalente a menos de R$ 120 por mês. “Com esse dinheiro, só seria possível pagar um plano de saúde bem ruim, que funcionaria igualmente mal”, pondera o professor. Nas escolas, segundo ele, o custo de uma mensalidade em colégio particular é quase o anual de um público.

Modernizar o setor traria mais eficiência e, como consequência, melhoraria a visão da sociedade em relação à qualidade dos serviços oferecidos pelo governo. É o que defende a professora Claudia Passador, do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP).  “O governo não investe em recursos humanos e quer que as pessoas tenham bom desempenho”, critica. Para ela, essa mudança deveria começar na seleção e na distribuição dos servidores. “O ideal seria que fossem escolhidos perfis mais apropriados.” (AA)

R$ 3,89 per capita com saúde

Os governos federal, estaduais e municipais investiram, em 2014, R$ 3,89 por dia per capita para cobrir as despesas públicas com saúde. Ou seja, cerca de R$ 289,6 bilhões por ano para mais de 204 milhões de brasileiros. Segundo o levantamento da ONG Contas Abertas e do CFM, proporcionalmente, Brasília é a capital que mais gasta com esse tipo de serviço. Os dados foram obtidos a partir de informações orçamentárias da Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda.

rx

 

Crédito: Correio Braziliense – disponível na web 03/11/2016

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