Intenção do presidente era amarrar estratégia na semana que vem, com filiação de Meirelles e acertos da reforma ministerial. Decreto dos Portos pode originar terceira denúncia
No momento em que os partidos brasileiros começam a definir suas estratégias eleitorais para outubro, o cerco policial-judicial ao presidente Michel Temer(MDB), pretenso candidato à reeleição, está se fechando e minando suas já frágeis pretensões eleitorais. É o que avaliam seus próprios aliados diante de uma cenário em que em vez de se preocupar com quem comporia seu eventual comitê de campanha ou em como turbinar ações para melhorar sua pífia popularidade, agora o emedebista lida com o constrangimento de ter seus homens de confiança provisoriamente atrás das grades. Trata-se de um golpe que o recoloca no centro das investigações derivadas da Operação Lava Jato e cujos próximos capítulos ainda são difíceis de prever no inquérito que corre sob sigilo nas mãos do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.
A expectativa no Governo era manter na Esplanada dos Ministérios a maioria dos nove partidos que indicaram ministros. Essa seria uma das principais moedas de troca na formação na eventual coligação a ser encabeçada por um emedebista – apesar das dificuldades, o partido segue tendo um considerável e crucial tempo de TV a oferecer, além de dinheiro do fundo partidário e capilaridade nacional para empurrar uma candidatura. Seja como for, a avaliação era a de que a Operação Skala deve reduzir essa quantidade de apoiadores. “Ninguém quer se ver envolvido com alguém com tanta gente suspeita em volta”, ponderou um líder de partido aliado de Temer no Congresso. Entre dois e quatro partidos que já estavam negociando apoios à outras candidaturas para a presidência devem deixar de indicar ministros, conforme dois membros governistas relataram ao EL PAÍS nesta quinta-feira.
Uma demonstração de como o presidente se torna cada vez mais tóxico em ano eleitoral não tardou a acontecer. Enquanto as prisões dos aliados de Temer dominavam o noticiário, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, se recusou a comparecer à inauguração de um aeroporto em Vitória da qual Temer foi o principal convidado nesta quinta-feira. Para que não restassem dúvidas sobre o significado da sua ausência, Hartung divulgou uma nota: “O País amanheceu mais uma vez sobressaltado com fatos políticos preocupantes. Apoio a investigação dessas denúncias com profundidade e, como democrata que sou, também defendo o amplo direito de defesa de todos os citados. Mas ressalto que os episódios políticos sucessivos e graves dessa natureza têm prejudicado o País e a economia, trazendo prejuízos sociais com impacto direto na vida das pessoas, particularmente os mais pobres.”
Processo sob sigilo e nova denúncia?
A investigação sobre o decreto dos portos toma proporções cada vez mais perigosas para Temer e podem acabar por municiar uma nova denúncia contra o presidente. Seria a terceira e a aposta em Brasília é que o preço a pagar para barrá-la na Câmara, como fez com as duas anteriores, seria mais alto em ano eleitoral.
Apesar de não ter tido um pedido de prisão decretado (principalmente por causa de seu foro privilegiado) neste inquérito, Temer já passou por uma série de constrangimentos por causa dele. O mais recente foi a quebra de seu sigilo bancário solicitado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e determinado pelo ministro Barroso. Apesar de ter prometido que abriria os sigilos para o Judiciário e para a imprensa, o presidente voltou atrás em sua ideia e, até agora, não entregou a documentação solicitada pelo STF.
Nesta quinta-feira, Barroso foi além e autorizou a detenção de duas figuras-chave: o coronel João Batista Lima Filho, ex-assessor de longa data de Temer e o advogado José Yunes. O primeiro assessorou Temer em diversas campanhas eleitorais e era conhecido por ser um metódico operador do presidente. O segundo foi seu assessor especial na Presidência. Ambos são acusados por delatores de serem intermediários de propinas do próprio presidente. Contra ambos pesam suspeitas de irregularidades na publicação do Decreto dos Portos, um documento assinado pelo presidente que regularizou e ampliou o prazo de cessão de áreas para uma série de empresas que atuam na área portuária pelo país. A suspeita é que Temer e seu grupo tenham recebido propina para beneficiar uma dessas empresas que funciona no Porto de Santos, a Rodrimar. O dono dessa empresa, Antônio Celso Grecco, e o ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi (MDB) também foram detidos. Os mandados cumpridos nesta quinta-feira seguem sob sigilo
A suspeita do Ministério Público Federal é que o grupo tenha cometido os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa. As apurações são um desdobramento da Lava Jato e só vieram à tona após a delação da JBS, na qual o próprio Temer foi grampeado por um dos delatores.
Um dos principais defensores de Temer, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, afirmou que o presidente não se preocupa com essa investigação porque ele não teria beneficiado a Rodrimar ou qualquer outra empresa no decreto dos portos. “É como se estivessem investigando o assassinato de quem não morreu. O decreto não beneficiou a Rodrimar e estará esclarecida a absoluta inocência do presidente”, afirmou.
Agora, com a prisão de Yunes, chega a quatro o número de assessores que ascenderam com Temer ao poder após o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e registraram passagens recentes pela prisão. Antes, estiveram detidos os ex-deputados federais do MDB Henrique Eduardo Alves, ex-ministro do Turismo, Rodrigo Rocha Loures, conhecido como o homem da mala, e Geddel Vieira Lima, que tinha um bunker com mais de 51 milhões de reais não declarados. Em outro inquérito, Temer é investigado por capitanear um esquema de propinas para o seu MDB, do qual foi presidente por uma década. Neste caso, são dois dos seus escudeiros no Planalto, também protegidos pelo foro privilegiado, os implicados: Eliseu Padilha (Casa Civil) e Welington Moreira Franco (Secretaria-geral da Presidência).
A turbulência em Brasília agita ainda mais um panorama com datas decisivas na sucessão presidencial. A próxima semana também será crucial para definir o futuro de outro pré-candidato à presidência, o petista Luiz Inácio Lula da Silva. No dia 4, o Supremo Tribunal Federal deve concluir o julgamento de seu habeas corpus, em que pede para não ser preso até que ele seja julgado em todas as instâncias. O ex-presidente Lula foi condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva.
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Crédito: Afonso Benites/El Pais Brasil – disponível na internet 30/03/2018