STF caminha para restringir foro de parlamentares, mas posição abre brecha para “chicanas” processuais.

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A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou a favor de se restringir o alcance do foro privilegiado aos deputados federais e senadores para crimes cometidos no exercício do mandato e apenas em relação a fatos diretamente vinculados ao trabalho do parlamentar.

Essa posição abre brecha para chicanas processuais que podem gerar o efeito contrário ao pretendido, de garantir rapidez e efetividade na apreciação dos casos, na opinião da corrente minoritária da corte e de advogados criminalistas ouvidos pela Reuters.

Ainda não é possível mensurar com precisão o efeito da mudança nos casos de deputados e senadores investigados na operação Lava Jato. De maneira geral, segundo criminalistas, casos que envolveram suposto recebimento de propina antes de o parlamentar assumir o mandato deixaria o STF, mas é preciso avaliar as circunstâncias.

Atualmente os 513 deputados e 81 senadores gozam da prerrogativa de responderem por quaisquer infrações penais perante o Supremo, mesmo aquelas cometidas antes do mandato.

Após dois adiamentos por pedido de vista, o julgamento da restrição do foro —que começou há quase um ano— conta com 10 votos a favor de limitar o foro dos parlamentares, mas com duas correntes de alcance distintas. O julgamento será retomado na quinta-feira com o último voto, o do ministro Gilmar Mendes.

Até o momento, sete ministros concordam com a posição de que o STF julgue apenas processos sobre crimes comuns cometidos por deputados e senadores no exercício do mandato e por fatos relacionados à função que desempenham, na linha do voto do relator da ação, Luís Roberto Barroso. Os demais casos seriam apreciados pela primeira instância da Justiça.

Outros três votos são favoráveis a uma interpretação ainda mais restrita, a de que, independentemente dos casos, os parlamentares terão direito a foro no Supremo a partir da diplomação. Esse é o entendimento do voto do ministro Alexandre de Moraes, que foi acompanhado nesta quarta-feira pelos ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.

Apesar de já haver maioria formada, nada impede que os ministros que já votaram alterem seu posicionamento ou até mesmo peçam um esclarecimento mais preciso sobre o alcance da decisão até a proclamação do resultado.

Na sessão desta quarta, o ministro Luiz Fux, que votou com Barroso chegou a comentar que é importante definir melhor o alcance da medida. O próprio Barroso deu a entender que vai se pronunciar sobre o limite da restrição do foro.

BAGUNÇA

Responsável pelo voto vista desta quarta, Dias Toffoli destacou que a Constituição Federal não faz distinção entre a concessão de foro privilegiado para os tipos de crimes cometidos por parlamentares após a diplomação, se eles têm relação direta ou não com o mandato. Para ele, qualquer interpretação diferente a essa é “reescrever” a Constituição.

“Neste ponto, permito-me externar, perante meus pares, minha preocupação com a eventual porosidade, em razão da maior margem de apreciação que venha a decorrer da subjetividade do intérprete, do critério de determinação da competência ex ratione muneris (em razão da função) do Supremo Tribunal Federal”, disse Toffoli, para quem a linha do voto prevalecente vai exigir que a corte “continue a se pronunciar, caso a caso, se o crime tem ou não relação com o mandato”.

Lewandowski, que votou em seguida, foi na mesma linha. “Entendo que, se adotarmos essa saída definida pelo ministro Alexandre de Moraes, estaremos consertando o cerne da garantia de uma atuação independente dos parlamentares”, disse. “Esta solução protege o parlamentar de uma ação temerária que possa tisnar o exercício do mandato”, completou.

Embora não tenha votado, Gilmar Mendes criticou duramente a posição defendida por Barroso e seguida pela maioria até o momento. Para ele, a posição a ser adotada “vai dar muito errado”. Ele disse que não há indicações de que essa posição vai garantir maior eficácia para a apreciação de casos envolvendo parlamentares.

“É cruel enganar o povo, não estamos fazendo para o sistema evoluir e estamos fazendo uma grande bagunça”, disse. “Aqui não é um jogo de esperteza, é de sinceridade na interpretação da Constituição”, reforçou.

Antes da sessão de julgamento desta quarta, em entrevista, e também durante o julgamento, Alexandre de Moraes disse que a posição majoritária vai suscitar vários outros questionamentos sobre competência do Supremo.

“Essa primeira questão de ordem (de Barroso) que vai suscitar várias questões de ordem. Vai desmembrar tudo? Como fica a investigação? Alguém que era deputado estadual quando praticou o crime, um crime relacionado às funções de deputado estadual, e agora é deputado federal, ele praticou antes, então aqui no Supremo não vai ficar, ele volta pro Tribunal de Justiça ou pra primeira instância?”, provocou ele a jornalistas, ao destacar que isso será decidido caso a caso.

SURPRESA

O receio dos críticos é que haja uma discussão interminável sobre se determinado caso ficaria com o Supremo ou com a primeira instância, levando a vários recursos processuais e impedindo a apreciação do mérito dos processos.

O criminalista Alberto Toron, que representa o senador Aécio Neves (PSDB-MG), réu no STF, afirmou que, apesar de considerar “louvável” o esforço de Barroso em restringir o foro, a posição dele abre brecha para “interpretações díspares”.

“Longe de solucionar a controvérsia vai criar novas e com risco de se preterir ao acusado um direito a um juiz natural”, criticou. Ele disse que “já passou da hora” de o Congresso discutir para valer  a questão do alcance ou fim do foro, embora reconheça ser difícil isso ocorrer em 2018, ano eleitoral.

Para o criminalista Bruno Spiñeira Lemos, que defende o empresário Lucio Funaro, que fez delação na Lava Jato, no intuito de dar uma satisfação à sociedade, a decisão da corte poderá ter o “efeito reverso”.

“Óbvio que isso é possível. O Supremo está nos brindando com decisões surpreendentes”, disse. “Há muito espaço para subjetivismos”, completou.

Crédito:Ricardo Brito/ Reuters  Brasil – disponível na internet 03/05/2018

STF: Dez ministros votam pela restrição do alcance do foro para parlamentares federais

Após os votos dos ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, foi suspenso o julgamento da questão de ordem na Ação Penal (AP) 937, na qual o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) discute a possibilidade de restringir o alcance do foro por prerrogativa de função conferido aos parlamentares federais. Até o momento, dez ministros proferiram voto na matéria: sete no sentido de que o foro se aplica apenas a crimes cometidos no exercício do cargo e em razão das funções a ele relacionadas, e três assentando que o foro deve valer para crimes praticados no exercício do cargo, mas alcançando todas as infrações penais comuns, independentemente de se relacionaram ou não com as funções públicas. O julgamento continua nesta quinta-feira (3) para colher o último voto, do ministro Gilmar Mendes.

O julgamento começou no final de maio de 2017, quando o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, propôs restringir o foro por prerrogativa de função apenas nos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Pela sua proposta, após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.

O relator foi acompanhado pelas ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e pelos ministros Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello. O ministro Marco Aurélio também acompanhou em parte o relator, defendendo a aplicação do foro por prerrogativa de função apenas aos crimes cometidos no exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Para o ministro Marco Aurélio, contudo, caso a autoridade deixe o cargo, a prerrogativa cessa e o processo-crime permanece, em definitivo, na primeira instância da Justiça.

Na ocasião, pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes suspendeu o julgamento.

Diplomação

Em novembro de 2017, o ministro Alexandre de Moraes apresentou voto-vista em que declarava acompanhar o relator na parte que fixa o foro no STF apenas para os crimes praticados no exercício do cargo, após a diplomação, valendo até o final do mandato ou da instrução processual. Contudo, divergiu na parte em que o relator fixa o foro apenas para os delitos que tenham relação com as funções de parlamentar. Para Moraes, o texto constitucional não deixa margem para que se possa dizer que o julgamento das infrações penais comuns praticadas por parlamentares não seja de competência do STF. Nesse sentido, o ministro salientou que a expressão “nas infrações penais comuns”, contida no artigo 102 (inciso I, alínea ‘b’), alcança todo tipo de infrações penais, ligadas ou não ao exercício do mandato.

O julgamento voltou a ser suspenso, dessa vez por pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

Oligarquias locais

Na sessão desta quarta-feira (2), o ministro Dias Toffoli acompanhou o voto do ministro Alexandre de Moraes. Em seu voto-vista, o ministro fez um relato histórico da instituição do foro por prerrogativa de função no Brasil desde a Constituição Imperial de 1824, passando pelas Cartas republicanas, até a Constituição vigente. Toffoli revelou que o foro existe nas constituições de outros países, mas em nenhum caso com a dimensão observada no texto brasileiro e salientou que a extensão do foro por prerrogativa de função, no Brasil, resultou da influência das oligarquias locais sobre os magistrados de primeiro grau, o que não acontece com relação a juízes de instâncias superiores, mais afastados das políticas regionais.

O ministro se disse favorável às regras da prerrogativa. Para ele, tendo em conta a sociedade desigual em que vivemos, quem deve julgar as autoridades máximas do país não deve ser o poder local.

O foro por prerrogativa de função, segundo Toffoli, tem como objetivo evitar manipulações políticas nos julgamentos e subversão da hierarquia, para que haja imparcialidade nos julgamentos. Não se trata de privilégio, acrescentou o ministro, até porque se reduz o número de instâncias recursais, e com isso a chance de prescrição, tendo em vista a realização do julgamento, que se dá de forma mais célere, em única instância.

Quanto à alegação de que, no passado, o STF teria sido conivente com a impunidade, o ministro lembrou que até a edição da Emenda Constitucional (EC) 35/2001, o Supremo não podia julgar parlamentares, porque era necessária a autorização do Congresso Nacional, que raramente a concedia. Nesse ponto, Toffoli lembrou o caso do deputado federal Hildebrando Pascoal, acusado, em 1999, de liderar um grupo de extermínio no Acre. O ministro salientou que, nesse episódio, a Câmara dos Deputados preferiu cassar o mandato de Hildebrando Pascoal a permitir que ele fosse julgado pelo STF. Após ser cassado, Hildebrando Pascoal foi condenado na primeira instância por vários homicídios.

O julgamento da Ação Penal 470 – o chamado mensalão – foi um marco no STF e trouxe grandes aprendizados, frisou o ministro. Desde então, o STF vem aperfeiçoando a forma de julgar ações penais desse tipo, completou. Aliado a isso, o ministro disse que, atualmente, tanto o Ministério Público quanto a Polícia Federal são órgãos muito mais independentes.

O ministro Toffoli disse entender que a proposta do ministro Barroso de restringir o foro por prerrogativa de função a crimes praticados no exercício do cargo e em razão dele colide com a norma constitucional. A Constituição Federal não faz distinção entre crimes anteriores ao mandato e os praticados durante seu exercício. Enquanto o parlamentar estiver no mandato, segundo ele, a Constituição Federal diz que cabe ao STF seu julgamento.

Uma vez que nem o constituinte originário nem o reformador, que aprovou a EC 35/2001, optaram por restringir o foro por prerrogativa de função, explicou Toffoli, não caberia ao STF, guardião da Carta, fazer essa interpretação restritiva.

Divergência

Apesar de sua posição pessoal contrária à redução do foro, mas levando em conta a maioria já formada no julgamento pela restrição proposta pelo relator, o ministro se posicionou no sentido de acompanhar a tese levantada pelo ministro Alexandre de Moraes, que tem como marco do início da prerrogativa a diplomação, independentemente da natureza do crime, se relativo ou não ao cargo. Para Toffoli, esse marco evita dúvidas e questionamentos, ao atrair para o STF crimes de qualquer natureza cometidos após a diplomação. Segundo ele, o critério da natureza do crime, se ligado ou não ao mandato, dá margem a diversas dúvidas.

Por fim, no tocante ao marco final da prorrogação da competência do STF, o ministro votou no sentido de que após encerrada a fase de produção de provas – conforme artigo 10 da Lei 8.038/1990 – com a intimação das partes para apresentação de alegações finais, eventual renúncia ou cessação do mandato não mais será capaz de alterar a competência do Supremo para julgar o caso.

Ministro Lewandowski

O ministro Lewandowski, apesar de ter posição contrária à restrição do alcance do foro, também aderiu à divergencia parcial aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, no sentido de excluir da regra do foro por prerrogativa de função a apuração de crimes praticados antes da diplomação do parlamentar. “A solução protege o parlamentar de ação judicial de natureza temerária que possa afetar o pleno exercício do mandato”, afirmou.

Em seu voto, ele manifestou reservas quanto à decisão do tema por meio de questão de ordem, questionando os números apresentados para justificar a mudança da regra. Segundo o ministro, os processos de natureza penal em curso no STF são 5% dos casos, enquanto a maior parte do trabalho da Corte está em ações envolvendo a União e a Fazenda Pública. “Não parece ser lícito à Corte conferir interpretação restritiva à regra de foro para reduzir o estoque de processos em uma questão de ordem, muito menos alegando uma mutação constitucional, sem que tenha havido mudança substancial no plano fático”, destacou.

Quanto ao marco final para a manutenção da competência do STF, o ministro afirmou que se pronunciará sobre a questão ao final do julgamento, levando em consideração as posições apresentadas no Plenário, visando estabelecer o momento de forma mais precisa e com segurança.

STF 03/05/2018

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