‘Esse foi meu erro, apego a poder, dinheiro… é um vício’, afirma Cabral sobre o acerto da propina

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No primeiro depoimento à Justiça Federal em que admite o recebimento de propina, o ex-governador  Sérgio Cabral  disse nesta terça-feira que o seu “erro de postura” durante o período em que comandou o Estado do Rio foi se apegar ao poder e ao dinheiro. Ao citar um acerto de pagamentos ilícitos na área de prestação de serviços na Saúde com o empresário Arthur Soares, conhecido como Rei Arthur, o ex-governador afirmou que isso se tornou um vício

— Pagava-se propina, isso me dito pelo Arthur, em governos anteriores. E aí falei com o Sérgio Côrtes (ex-secretário de Saúde): vou ficar com 3% e você fica com 2% (da propina). Esse meu erro de postura, de apego a dinheiro, a poder, a tudo isso. Isso é um vício. E o Sérgio Cortes se sentiu muito à vontade para me introduzir o Miguel Iskin – afirmou Cabral, sobre o acerto de propina logo no início de seu governo.

Miguel Iskin é um empresário, também alvo da Lava-Jato e amigo de Côrtes, que também pagou propina a Cabral e ao ex-secretário, segundo o ex-governador confessou no depoimento desta terça-feira. De acordo com o emedebista, a divisão da propina paga por Iskin era de 3% para ele e e 2% para Côrtes e que, depois, passou o rateio a ser meio a meio. A audiência de hoje era relativa ao recebimento de vantagens indevidas de R$ 16 milhões na área da Saúde, pagos por Iskin. O emedebista diz que deve ter recebido de 30% a 40% desse valor.

De Arthur Soares, Cabral disse que recebeu R$ 6 milhões para sua campanha de 2006, R$ 3 milhões para a campanha do ex-prefeito Eduardo Paes, ambas as contribuições por meio de caixa dois, e R$ 30 milhões em propina.

US$ 100 milhões no exterior

O ex-governador começou a audiência declarando que resolveu “falar a verdade” por conta de sua família, do momento histórico e para ficar bem com ele mesmo. A Bretas, ele pediu desculpas por ter mentido em depoimentos anteriores.

— Em nome da minha mulher, dos meus filhos e da história, resolvi falar a verdade e ficar bem comigo mesmo. Hoje, sou um homem muito mais aliviado — afirmou o emedebista no depoimento que durou uma hora e meia.

O ex-governador admitiu que eram seus os US$ 100 milhões que estavam em contas no exterior, e que foram entregues pelos doleiros delatores Marcelo e Renato Chebar. Os irmãos eram quem administravam parte da propina do ex-governador. Eles fizeram delação e devolveram o dinheiro à Justiça. 

— Quero dizer ao senhor que é verdade de que o dinheiro dos irmãos do Chebar era meu dinheiro sim. Era todo meu — disse o ex-governador a Bretas.

Além de Côrtes, Cabral citou que o ex-secretário da Casa Civil Régis Fichtner recebia propina e que o escritório dele também era beneficiado. O ex-governador, no entanto, citou alguns ex-secretários com os quais nunca conversou sobre propina: Renato Villela e Joaquim Levy, que ocuparam a secretaria de Fazenda e Nelson Maculan e Wilson Risolia, que foram secretários de Educação.

A primeira vez que Cabral admitiu o recebimento de propina foi em depoimento ao MPF no último dia 21 de fevereiro. Em trechos divulgados pela TV Globo, o ex-governador admitiu cobrança de propina em obras como a Linha 4 do metrô e a reforma do Maracanã, além de citar o empresário Eike Batista e o ex-prefeito Eduardo Paes, ao falar de repasses irregulares para campanhas eleitorais. No depoimento ao MPF, antes de falar à Justiça Federal, Cabral confessou que ter recebido US$ 16 milhões da empresa de Eike Batista durante a campanha eleitoral.

Versão combinada

Na oitiva, Cabral foi indagado sobre a declaração de Côrtes durante um dos depoimentos de que o dinheiro recebido pelo ex-secretário de Saúde seria para uma possível estreia em campanha eleitorais.

– Mentira, isso foi um combinado meu com ele na prisão – afirmou Cabral. – Combinei versões com ele e também com o Miguel Iskin e com o Gustavo (Gustavo Estelita, sócio de Iskin) – completou.

A mudança de postura do ex-governador acontece após a substituição de advogado. Cabral agora é assistido por Márcio Delambert, o mesmo que defende o ex-deputado estadual Edson Albertassi, preso desde novembro de 2017. Esse foi o primeiro depoimento do emedebista ao juiz Marcelo Bretas depois da troca.

Cabral foi reinterrogado nesta terça-feira a pedido da defesa. No primeiro depoimento desse processo sobre propina na área da Saúde, o emedebista ficou em silêncio. O novo advogado, então, pediu essa nova audiência. Sérgio Côrtes estava presente.

No depoimento desta terça-feira, Cabral isentou a mulher, Adriana Ancelmo, de culpa.

– Ela tinha o escritório dela e eu contaminei o escritório quando pedi o repasse de caixa dois, que ela não sabia, para o dono da Rica – afirmou, completando: – Eu a enganei e a prejudiquei e ela entrou como Orcrim (imputação de pertencimento à organização criminosa) de uma maneira que me dói muito o coração. 

Campanha e propina de Pezão

Cabral disse no depoimento que a campanha do ex-governador Luiz Fernando Pezão em 2014 custou R$ 400 milhões. Oficialmente, na Justiça Eleitoral, as despesas declaradas foram de R$ 45 milhões. O ex-governador disse ainda que o apoio do Solidariedade à campanha de Pezão foi comprado.

Cabral afirmou ainda que Pezão recebeu propina em sua gestão, na condição de vice-governador e secretário de Obras., no valor de R$ 150 mil.

— Ele recebia como vice e secretário de Obras e trouxe para trabalhar com ele o Hudson Braga, que era o braço operacional dele — disse Cabral, confirmando ainda que existia na secretaria de Obras a chamada taxa de oxigênio, o equivalente a 1% de propina nos contratos da pasta.

A defesa de Pezão não retornou ao contato do GLOBO.

O ex-governador afirmou ainda que a campanha de Eduardo Paes à prefeitura do Rio em 2008 recebeu recursos de caixa dois tanto de Miguel Iskin quanto de Arthur Soares.

– Em 2008, o Iskin deu R$ 1 milhão para a campanha dele (Paes). O Arthur Soares, que havia sido o maior contribuinte da minha campanha em 2006 com R$ 5 ou R$ 6 milhões, deu para a campanha do Paes de R$ 3 a R$ 4 milhões. E (Arthur) reclamou muito porque serviços não foram dados para ele – afirmou Cabral, dizendo que, depois, o empresário ganhou a licitação do Centro de Operações para satisfazê-lo.

Em nota, Paes disse que todos os valores recebidos durante a campanha foram devidamente declarados na Justiça eleitoral, sendo  todos aprovados.

 “Como afirmou em seu depoimento o próprio ex-governador  Sérgio Cabral, aliás como já vários delatores o fizeram anteriormente, Eduardo Paes jamais pediu qualquer tipo de propina ou beneficiou qualquer empresa.  Muito menos fez parte de qualquer organização criminosa como pode se ver nos trechos do depoimento à seguir”, disse em nota o ex-prefeito.

Arquidiocese

No depoimento, Cabral falou sobre a situação das Organizações Sociais (OSs) que administram hospitais e afirmou que uma delas, a Pró-Saúde, tinha um esquema de recursos que envolvia religiosos:

– Por exemplo, não tenho dúvida que deve ter havido esquema de propina com a OS da Igreja Católica, a Pró-saúde. Não tenho dúvida. O Dom Orani devia ter interesse nisso, com todo respeito ao Dom Orani, mas ele tinha interesse nisso. O Dom Paulo, que era padre, e tinha interesse nisso. E o Sérgio Cortes nomeou a pessoa que era o gestor do Hospital São Francisco, que fazia um belo trabalho, cá entre nós (…). Essa Pró-Saúde certamente tinha esquema de recurso que envolvia inclusive religiosos. Não tenho a menor dúvida.

Procurada, a Arquidiocese afirmou que “a Igreja Católica no Rio de Janeiro e seu Arcebispo têm o único interesse que organizações sociais cumpram seus objetivos, na forma da lei, em vista do bem comum”.

Em busca da redução de pena

Com a mudança de estratégia, Cabral busca a redução de pena. Preso desde novembro de 2016, o ex-governador responde a 28 processos e já foi condenado a mais de 200 anos de prisão. Ele tinha a intenção de fazer delação premiada, mas o MPF não se interessou.

Ao longo do período em que esteve preso, o emedebista já prestou vários depoimentos à Justiça e, neles, já adotou diversas posturas. Na primeira oitiva à Justiça, ao ex-juiz Sergio Moro, Cabral ficou em silêncio. Ao juiz Bretas, na primeira vez em que falou sobre a acusação de que cobrava 5% de propina em cima dos valores das obras no estado, disse que isso era uma “maluquice”.

— Nunca houve propina. Houve apoio. Vejo que o Ministério Público se refere a delatores que falam que pedi 5%. Nunca houve 5%. Que 5% é esse? Que história é essa de que esses 5% era algo que vigia no governo? Que maluquice é essa? — em audiência em julho de 2017.

Depois, Cabral passou a admitir que usou sobras de campanha para pagar despesas pessoais, mas, até então, vinha negando o recebimento de propina. Bretas perguntou por que Cabral demorou tanto para admitir a propina.

– Dói muito alguém que tem uma carreira política reconhecida pela população. É uma dor muito profunda (dizer que robou) – afirmou.

Crédito: Juliana Castro/ O Globo – disponível na internet 27/02/2019

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