Semicondutores: o novo petróleo.

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@IstoÉ Dinheiro - reprodução

Eles estão em quase tudo ao nosso redor — de carros e eletrodomésticos a celulares e laptops — e se tornam tema geopolítico.

Para que os zeros e uns que regem nossa sociedade funcionem, quase todo equipamento eletrônico precisa do semicondutor. É um material capaz de conduzir correntes elétricas, o que lhes confere a capacidade de controlar a eletricidade passada entre os componentes de diversos equipamentos. E como quase tudo hoje é eletroeletrônico, essas pecinhas estão em quase tudo que cerca nossa vida cotidiana. Em casa, na empresa, no home office, na escola, no trânsito, na viagem de férias… A lista é longa. Desde computadores e carros até micro-ondas ou máquina de lavar. Não à toa esse mercado bateu o recorde histórico em volume, em 2022, com vendas globais de US$ 574 bilhões, segundo dados da World Semiconductor Trade Statistics (WSTS) divulgados pela americana Semiconductor Industry Association (SIA). Foi uma alta anual de 3,3%. Mas o número deve acelerar. Estudo da consultoria McKinsey prevê crescimentos anuais entre 6% e 8% até 2030, quando o segmento romperá a barreira do US$ 1 trilhão.Durante a pandemia, já havia um movimento crescente de aumento de demanda de chips conforme eles se faziam presentes em cada vez mais equipamentos – de acordo com a Associação da Indústria de Semicondutores.

Segundo Pierre Jacquin, vice-presidente para a América Latina da Project44, empresa global de visibilidade de cadeia de suprimentos, a demanda deve continuar a crescer nos próximos anos, mesmo que a tendência seja que as empresas comecem a pensar numa utilização mais cadenciada e estratégica. “Há uma conscientização acontecendo nesse mercado, mas que não descarta a continuidade do crescimento da sua procura”, disse à DINHEIRO. Em parte, essa avidez menos desenfreada é filha do aprendizado na marra trazido pela pandemia de Covid-19. No início de 2020, começaram as medidas de isolamento. E dois fenômenos surgiram, simultaneamente: aumento da demanda (pela presença forçada de parte do planeta dentro de casa, de onde trabalhava, estudava, pedia comida e se entretia) conjugada à diminuição da oferta (com fábricas fechadas por causa das restrições sanitárias). Com isso, toda a cadeia global de suprimentos foi afetada, resultando numa escassez repentina de semicondutores mundialmente.

“Continuamos investindo para um supply chain resiliente e geograficamente equilibrado” Gisselle Ruiz diretora-geral da Intel América Latina.@Claudio Gatti

Um estrago capaz de derrubar economias. Por esse motivo, se transformou na nova batalha global. Não é exagero dizer que o semicondutor está para tudo o que é relacionado à nova economia e à conservação ambiental como petróleo e aço estão para a velha economia. Até aqui, a produção está localizada em poucos países: Japão lidera (com 102 plantas ativas ou planejadas), seguido por Taiwan (77), Estados Unidos (76) e China (70). Os quatro dominam esse mercado. A Alemanha é o primeiro europeu na fila, na quinta posição, mas com distantes 20 plantas ativas ou em construção. Cenário que está muito próximo de mudar, já que a União Europeia (UE) tem projetos para aumentar sua participação nesse mercado de 9% para 30% até 2030, o que, segundo a consultoria Kearney, pode acrescentar de 77 bilhões a 85 bilhões de euros no PIB do continente na próxima década. O projeto passa no momento por uma fase legislativa, visando mobilizar 43 bilhões de euros em investimentos privados e públicos. Nos Estados Unidos, o Congresso aprovou em julho de 2022 a Lei Ato dos Chips para “fortalecer a fabricação, o design e a pesquisa de semicondutores domésticos, fortalecer a economia e a segurança nacional e reforçar as cadeias de suprimentos de chips dos Estados Unidos”. Em três décadas, houve notória perda de espaço no market share global. Em 1990, o país detinha 37% da capacidade de fabricação de semicondutores. Caiu hoje para 12%. “Principalmente porque os governos de outros países investiram ambiciosamente em incentivos à fabricação de chips e o governo dos EUA não”, afirmou a Semiconductor Industry Association.

“Há uma conscientização acontecendo no mercado, mesmo assim, a procura continuará crescendo” Pierre Jacquin VP para a América Latina da Project44. @divulgação

A partir do entendimento do tema como algo geopolítico, diversos países passaram a desenvolver estratégias nacionais visando construir um caminho em direção a uma posição como player significativo nesse mercado. Segundo a Associação Global da Indústria de Fabricação de Eletrônicos (Semi), o valor investido globalmente até 2024 em 84 novas fábricas de semicondutores deve chegar a US$ 500 bilhões. Segundo o relatório, em 2022 houve o início da construção de 33 fábricas e haverá pelo mesmo mais 28 neste ano. O maior número de plantas sairá, sem nenhuma surpresa, da Ásia: 29 novas instalações prontas nos próximos anos – 14 em Taiwan, seis no Japão e três na Coreia do Sul. Fora a China. Nesse campo, a mira de Pequim é Washington. E vice-versa.

ÁSIA NA FRENTE Terão construção iniciada 84 novas fábricas de semicondutores até 2024, 29 serão no continente asiático, lideram Taiwan com 14, Japão e sudeste da Ásia com 6, Coreia do Sul com 3. (Crédito:Istock)

SUPPLY CHAIN A Intel é uma das principais empresas do setor de semicondutores, com um valor de mercado de US$ 125 bilhões, segundo dados da bolsa Nasdaq em 29 de março. Com forte atuação no mercado de PCs, a empresa anunciou no ano passado uma nova planta para produção de chips em Ohio (EUA), investimento de US$ 20 bilhões que irá rivalizar com plantas de gigantes como Samsung e Taiwan Semiconductor Manufacturing. A construção é reflexo da Lei dos Chips americana, que permitiu investimento de US$ 52 bilhões para essa indústria, visando bater de frente com os investimentos chineses. Para a diretora-geral da Intel América Latina, Gisselle Ruiz Lanza, o foco da empresa continua em ter uma cadeia de suprimentos bem distribuída no mundo, apostando no momento em localizações na Ásia e em Israel. “Continuamos investindo para um supply chain resiliente e geograficamente equilibrado”, afirmou.

No Brasil, o novo governo busca recuperar o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), estatal desenvolvedora e fabricante de semicondutores e chips eletrônicos que quase foi fechada na gestão de Jair Bolsonaro. Não que o governo atual esteja olhando para o setor com atenção. Mas pelo menos não está deixando largado. Na quarta-feira (29), o presidente Lula decidiu pela prorrogação do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis) até o fim do ano de 2026. O Padis dá benefícios fiscais para a produção. Criado em 2007, vinha sendo prorrogado nos últimos anos e seria encerrado em 2022 e no último dia da gestão Bolsonaro, mas o então vice-presidente Hamilton Mourão editou decreto regulamentando a extensão do incentivo até 2026. Na birra vingativa que está sendo o início do governo Lula com tudo o que era do governo anterior, a autorização assinada por Mourão foi anulada por Lula dentro do chamado ‘revogaço’ feito assim que tomou posse. Alertado sobre a importância do setor estratégico, o mandatário voltou atrás. E o Padis agora contempla ainda mais itens além de semicondutores.

O programa pode ajudar a indústria no País a crescer mais do que de forma orgânica. Faz parte de um novo plano do governo para desenvolver o setor de semicondutores nacional, aumentando a participação do Brasil no mercado mundial de 2% para 4% num prazo de 20 anos. Segundo dados do Plano Nacional de Semicondutores, a indústria local já estabelecida no País obteve faturamento de R$ 4,5 bilhões em 2021, registrando crescimento acima de 10% ano a ano. O setor também acumula investimentos de US$ 2,5 bilhões em infraestrutura, máquinas e equipamentos, além de R$ 830 milhões investidos em P&D, para geração de patentes e conhecimento estratégico no Brasil. O tema é de tal gravidade porque justamente afeta tudo quanto é setor econômico. E um dos mais atingidos é a indústria automotiva. Em 2021, ela respondia por apenas 8% da demanda de semicondutores. No fim da década, deve saltar para 13% a 15%. Para o especialista do segmento Cassio Pagliarini, sócio da Bright Consulting, atualmente os carros podem ter de 300 a 1,5 mil chips. “Os carros hoje são praticamente computadores sobre rodas”, disse. E é um jogo em que estamos bem atrás.

O lado otimista é que há uma janela de oportunidade no horizonte e mais do que de programas locais, a solução deve vir de fora. Justamente por causa da disputa entre China e Estados Unidos. No encontro entre Lula e Joe Biden, em fevereiro, os EUA sinalizaram a intenção de investimento nas várias etapas da cadeia de semicondutores no Brasil aproveitando parte dos US$ 52 bilhões da Lei dos Chips.

No meio de fevereiro, a secretária de Comércio dos EUA, Gina Raimondo, tratou do assunto com o vice-presidente e ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. Espaço para o Brasil embarcar na indústria que vai abastecer todas as demais.

Crédito: Victor Marques / IstoÉ Dinheiro – @ disponível na internet 03/04/2023

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